Me senti mal, mas não fiz nada pra melhorar:
A manhã chegou e só ai notei que eu já estava sem dormir a alguns dias. Pensei que se eu não dormisse eu acabaria morrendo mais cedo de alguma doença ou sei lá, mas essa preocupação é coisa pra outra hora.
Desci as escadas e fui beber café. Enchi um copo descartável, faltava açúcar.
- Bom dia.
Ouvi uma voz atrás de mim. Me virei. Era Isabela. Ela vestia uma saia nada atraente que ia até em baixo do joelho e seu cabelo estava preso, rabo de cavalo. Ela era uma cristã fiel e preconceituosa, mas falava com negros e com gays pra disfarçar ou pra simplesmente ser mais "evoluída" do que o resto de sua família.
- E ai - eu disse.
- Você acordou cedo hoje, nunca te vi aqui a essa hora.
- Não dormi.
- Meu Deus.
Ele com certeza era o culpado.
- Quer sentar - eu disse depois que preparei o meu desjejum.
- Tudo bem.
Sentamos e ela começou a falar sobre Keith Green e citou frases dele, ela achava ele de mais.
- Em fim - ela disse - Ele é depois.
- Prefiro o Bob Dylan.
- Slow Train Coming?
- Blonde on blonde, principalmente a primeira música.
Ela riu e fez uma cara de nojo.
- Você é uma graça.
Eu não sabia o que ela queria comigo. Ela era uma santa e eu era o próprio Satan. Talvez esse dois, Deus e Diabo, sejam amigos, afinal. Que merda eu tô falando, esses caras nem existem, porra.
- Olha só - ela disse depois de um tempo - Tem umas reuniões semanais na minha igreja e ...
- Estou muito ocupado Isabel.
- Eu sei, mas é que sinto que você não está bem.
- E quem está, afinal?
Ela não disse nada.
- Ontem vi que você dormiu naquele alpendre de novo.
- Eu tava com sono.
- Você tava bêbado.
Eu não disse nada.
- As quarta a noite...
- O que você quer afinal?
- Como assim?
- Fica oferecendo seu tempo pra mim como se eu fosse mudar alguma coisa ou como se eu fosse bom, sendo que não vou fazer nada nem mudar nada.
Pensei em dizer que ela só fazia isso pra se sentir melhor do que eu, mas parei na primeira parte.
- Deus tem uma coisa grande pra você.
- Passo.
- Deus pode te salvar.
- Salvar de que?
- Você sofre.
- E você não?
Ela ficou calada novamente.
- Olha só - eu disse depois de um tempo - Me desculpe.
- Tudo bem.
- Existem pessoas que se sentem bem em está no lado errado da vida e eu sou um desses, é só isso.
Ela só comeu o que tinha pra comer e não falou mais nada.
- Tenho que ir - ela disse quando terminou.
Levantou e se foi.
Continuei comendo do pão e bebendo do café. Quando terminei vi que ela deixou um papel que falava sobre as reuniões que eram as quartas a noite. Li a primeira linha. Não terminei.
Quando terminei de comer joguei no lixo o papel dela juntamente com o guardanapo que eu havia usado. Me senti mal, mas não fiz nada pra melhorar.