1012-O PRESÉPIO DE DONA CLAUDINA - Memórias

Os Vizinhos – 3ª. Parte

No mês de dezembro a criançada ficava toda animada com os pedidos que deveriam fazer ao Papai Noel. Na nossa vizinhança, além do fugidio e misterioso Papai Noel, havia ainda o Presépio de Natal armado na sala de visitas da casa do senhor José Ferreira, nosso vizinho da casa ao lado.

Nas manhãs de oito de dezembro a ansiedade me tomava conta. Era dia santo de guarda, celebrando a Imaculada Conceição de Nossa Senhora, com a obrigação de assistir a missa. Para atender o dever e ter um dia mais longo para brincar, ia à missa bem cedo, às sete e meia da Capela do Colégio Paula Frassinetti, próxima da nossa casa. A expectativa de ver o presépio montado na casa do Seu Zé Ferreira era total. Nem dava para prestar atenção à missa, o pensamento voando insistentemente para lá.

Nossos vizinhos desde sempre, a família do Seu Zé Ferreira era assim: o pai, agricultor que não era mais, vivendo do arrendamento de seu sítio: a mãe, Dona Claudina, senhora muito tranqüila, voz mansa que pouco se ouvia, que vivia para a família e a casa. E os quatro filhos: Zé Maria, Silvio, Júlio e Luiz. Eu ia lá quase que diariamente para brincar com Julio e Luiz, que tinham dez e onze anos, quando eu tinha nove.

O presépio, para mim, era mágico. Montado na sala de visitas, no dia sete não estava lá, na manhã do dia oito, bem de manhã, já se encontrava todo montado. Pensava que tinha a ver com Papai Noel, que ninguém via, mas que os adultos afirmavam categoricamente que ele existia, sim.

Então, eu saia da capela correndo e ia direto a ver o presépio. A casa era franca, a porta ficava sempre destrancada e eu entrava sem a menor cerimônia. Mas dona Claudina fazia com que eu Tomasse café com eles, antes de tudo. Estavam todos à mesa, os acompanhasse no café da manhã, com broinhas de fubá e de amendoim, biscoito mineiro, pão quentinho feito no forno de fogão a lenha e manteiga da roça. Leite fresco, com grossa camada de nata na vasilha onde era fervido. Ainda posso sentir o cheiro e o sabor das quitandas de dona Claudina, do café-com-leite e do pão-com-manteiga.

Só depois que todos terminavam — ninguém saia da mesa antes de Seu Zé, que era tranqüilo, muito tranqüilo às refeições. E a ansiedade ia só aumentando. Um olho na broinha, outro na porta fechada da sala do presépio.

Então, corríamos todos pra a sala. Istoé, eu, Julio e Luiz, os menores. Zé Maria e Sílvio, já rapazinhos, e que haviam trabalhado na arrumação do presépio e já sabiam de todos os detalhes, não mostravam grande entusiasmo.

A visão do presépio era fascinante. Muito mais do que uma matiné de cinema com filme colorido, mais até do que uma sessão de circo.

Montado em uma mesa grande, era a perfeita reprodução do que teria sido o nascimento de Jesus na gruta de Nazaré. A parte da frente era feita de pequenas placas de musgo, arrancado com cuidado de muros velhos e troncos úmidos. Seriam campos de vegetação baixa. Entremeados por campos de cereais: arroz em casca, plantado semanas antes simulava capinzais. Um pedaço de espelho quebrado era o lago, cercado de musgo. Pequenos animais feitos de tabatinga pastavam pelos campos.

No fundo, a gruta com um berço vazio, esperando o menino Jesus, que só seria colocado na noite de vinte e quatro de dezembro. Pequenas lâmpadas iluminavam o presépio, aqui e ali. A abóbada celeste, bem como as laterais era feitos de bambus finos cm a folhagem verde, que se encontravam no “zênite’.

As pequenas imagens de São José e Nossa Senhora estavam fora da armação que representavam a gruta, um misto de caverna e casa com telhado.

Lá pelo dia onze ou doze, apareciam os Reis Magos. Entravam pelo caminho da esquerda, em fila indiana; iam “caminhando” a cada dia avançando rumo da Gruta.

Apareciam, também, gatinhos, galinhas, gatos cachorros e passarinhos feitos por Julio e Luiz, de tabatinga, secas ao sol e pintados com parcimônia, pois as tintas eram poucas e caras.

Depois que os Reis Magos entravam em cena, havia movimentação todos os dias: os reis caminhavam, os animais ora estavam num local ora em outro, São José e Maria se aproximavam aos pouquinhos da gruta. Na noite de vinte e quatro de dezembro, aparecia o Menino Jesus. Já sorrindo, os braços abertos, seminu. Outra fieira de lâmpadas era colocada, para clarear mais o presépio e dar ênfase ao nascimento do Menino Jesus. Os Reis Magos chegariam ao presépio no dia seis, quando eram celebrados. Novo dia santo.

No dia seguinte, o presépio era desmontado. Desta vez, com a nossa ajuda. As imagens eram embrulhas e colocadas com cuidado em caixas de sapatos. Outros enfeites também mereciam o mesmo cuidado. As “plantações” e os “campos” (de musgo) eram jogados fora, o espelhinho que era o lago, igualmente guardado.

Os brotos de bambu, que já estavam perdendo as folhas, eram quebrados e os pedaços colocados no lixo.

O êxtase proporcionado pelo presépio de Dona Claudina daquele ano terminava. Mas iria se repetir, ano após ano, para nossa alegria de criança. O encanto, todavia, iria passando à medida que diminuía a nossa inocência.

ANTONIO ROQUE GOBBO

Belo Horizonte, 22 de Maio de 2017.

Conto # 1111 das Série 1.OOO HISTÓRIAS

Informação do autor: Eventos ocorridos nos finais dos anos 1941 a 1946.

Conto Autobiográfico- todas as pessoas e situações são verdadeiros.

Outros contos da série Os Vizinhos: # 972 – Os Amigos de Tio Gordo – 1ª. parte

# 999 – As meninas Bonitas da vizinhança. – 2ª. parte

# 1012 – O Presépio de dona Claudina

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 05/07/2017
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