1011-O BURACÃO DO PARAISO - Memórias

Uma pequena multidão se reuniu na manhã de segunda-feira para ver o inicio dos trabalhos de terraplanagem e aterro do Buracão. O seu desaparecimento provocava debates, e a noticia do seu aplainamento, dada pelo Jornal Sudoeste de Minas, na edição do dia anterior, dividia a população da cidade.

Eu estava no meio dos curiosos, e fazia parte de um grupo de saudosistas, para quem o Buracão era motivo de muitas lembranças dos tempos de meninice.

Nada se sabe do fenômeno que criou o Buracão. Uns dizem que foi uma tromba d’água outros afirmam que foi um deslizamento de terra lento; contudo, ninguém está certo de nada.

Em uma área do tamanho (aproximado) de um campo de futebol, tem paredes abruptas por três lados, enquanto que para o poente, abre-se magnificamente, nua paisagem pré-histórica, para dar passagem ao pequeno córrego de águas da mina que brota do seu interior. As paredes são disformes, parecem mais uma enorme pele enrugada, coberta aqui e ali por pés de mamona, que brotam sem vergonha e se ampliam a cada ano que passa.

Pelo lado da atual Avenida Monsenhor Mancini, apresentava até um certo perigo, pois ali começava o buracão, com paredes verticais que chegavam bem perto da calçada da avenida. Para quem se situasse naquela posição, pelo lado esquerdo sua borda era o limite dos terrenos que tinham a frente para a Rua Pimenta de Pádua, e pelo lado direito, era o limite da chácara do Sr.José de Bello.

As máquinas começaram a trabalhar comendo as bordas e aterrando o fundo. No fim do dia já dava para notar que a área seria boa para um loteamento.

Via aquele desenvolvimento com certa nostalgia, pois o Buracão era parte de minha vida. Quando freqüentei o Ginásio Paraisense, havia lá em baixo, no fundo, um pocinho bom para “nadar”. Na verdade, não dava para nadar, era raso e sujo, mas nas tardes quentes a gente ia lá brincar.

Eram grupos bem distintos e rivais que brincavam no pocinho. De forma que, quem chegasse primeiro, era dono do pocinho pelo tempo que quisesse ficar lá. Só entrava quem fosse da turma.

Mas quem se conformava com tal situação? Os que não podiam nadar subiam pelas laterais do Buracão e munidos de pedaços de bambu, assopravam as mamonas nos meninos que estavam lá brincando. A gente ficava a cavaleiro dos colegas lá em baixo, escondidos sob as ramadas das mamoneiras. As pequenas zarabatanas eram eficazes, por quem sabia assoprar. Muita força no fôlego e pontaria.

Quando se acertava uma mamona (geralmente pegava nas costas), eu ouvia os gritos vindos lá de baixo:

— Filho duma (......_)

— Disgraçado! Aparece, covarde!

Mas também quando eu estava lá em baixo,brincando nas águas quentinhas, era alvo de outras tantas mamonadas. As costas eram os alvos favoritos. A coisa ia se repetindo infinitamente,como uma guerrilha sem fim, que ninguém queria mesmo que acabasse.

Apesar das dificuldades das encostas— e por isso mesmo – existiam pequenas grutas, covas rasas, que para muito de nós eram cavernas mágicas das mil e uma noites. Um grupo de rapazotes, que não eram ginasianos, se apossou de uma das “cavernas” e a usou para esconder pequenos objetos, resultados de furtos nas casas comerciais. O esconderijo funcionou por alguns meses, até que o delegado, Sr. Francisco Martins, homem da melhor índole, calmo e sensato, foi pesssoalmente verificar a tal “caverna dos bandidos.”

Ele mesmo confessou que achou até graça nos objetos ali encontrados: sabonetes, canivetes, e uma quantidade de quinquilharias que nada valiam nas mãos dos pequeno ladrões. Esperou atrás das mamoneiras, que os garotões chegassem e os prendeu. Naquele tempo menor ia preso, sim senhor. Um dos presos tentou fugir, resvalou na trilha estreita e caiu na pirambeira. Mas foi só susto; os demais comparsas correram lá embaixo para trazer o companheiro que os acompanhou até a cadeia.

Pequenas lembranças, memórias de um tempo que só existia nas cabeças de uns poucos assistentes.

Os trabalhos foram rápidos, e quando voltei lá, dez dias depois, á haviam aplainado tudo. O terreno estava úmido, pois não havia sido feita uma drenagem das águas do pocinho e de outras minas nas encostas.

Mesmo assim, agrimensores estavam medindo o terreno. Alí seria construído um condomínio tão logo o terreno secasse.

Como não vi ninguém tirando fotos, nem mesmo o pessoal do jornal local, o Buracão hoje só existe na memória de algumas pessoas.

ANTONIOROQUE GOBBO

Belo Horizonte.16 de novembro de 2017.

Conto # 1010 da série 1.ooo Histórias

Notas do Autor:

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 05/07/2017
Código do texto: T6046281
Classificação de conteúdo: seguro