1010-OS TRES VELHINHOS - Contos da Vovó Bia

OS TRÊS VELHINHOS NO BANCO DO JARDIM

Vovó Bia gostava de variar na contação (*) de histórias para os netos. Ora um caso da família, ora uma fábula; de vez em quando uma aventura fantástica ou uma narrativa da Bíblia. Quando passou a residir na cidade, na casa do irmão Francisco — ela o chamava de Francesco — e os seus ouvintes ficaram sendo Toniquinho e Arturzinho, relutou em contar histórias no tapete mágico,(**) pois não sabia qual seria a reação dos dois meninos quando transportados para o próprio local onde a narrativa os levaria.

Por isso, contava histórias mais simples, de cujos finais poderia extrair um ensinamento moral.

Na noite de inverno, quando o vento assoviava nos fios dos postes de eletricidade ou das linhas telefônicas, ela se agasalhava bem antes de iniciar nova narrativa aos netos que já estavam sentados na sala de visitas, á espera da história daquela noite.

— Vou contar hoje a história dos três velhinhos que apareceram no quintal de dona Jerusa.

— A mulher do seu Raimundo? O dono do supermercado? Aquele que tem um automóvel brilhando de novo?

— Ela mesma. É um fato que aconteceu mais ou menos dez anos atrás. Ele ainda era empregado numa mercearia. Ele, a mulher, a filha Madalena e o genro Nestor moravam numa casa bem modesta, com um jardim na frente da casa, muito bem cuidado, com flores mesmo nos dias frios do inverno. Entre os canteiros de flores e folhagens, ficava um banco de madeira.

Uma tarde de domingo, bem fria, como esta que hoje tivemos, Dona Jerusa foi fechar o pequeno portão da entrada do jardim quando viu três velhinhos sentados no banco. Eles estavam vestidos com roupas simples, sem agasalhos e não davam sinais de sentirem o frio. Conversavam animadamente entre si e pareciam ser irmãos, pois as roupas eram iguais, todos tinham cabelos brancos e os rostos eram semelhantes.

Dona Jerusa, mulher piedosa e de bom coração, não ficou assustada com a presença dos três velhinhos. Pelo contrário, teve pena e sem perguntar nada a respeito deles, disse:

— Meus velhinhos, que estão fazendo aí nessa friagem? Venham aqui prá dentro. Vou lhes servir um café com leite bem quentinho, com pão que acabei de tirar do forno.

Eles pararam de conversar, e um deles disse assim:

— Muito obrigado, dona Jerusa. Primeiro, temos de dizer quem somos.

— Ora, vejo que vocês são três velhinhos muito simpáticos e que estão no relento. O meu nome vocês já adivinharam. Mas, sim, como se chamam?

O primeiro velhinho falou:

— Eu me chamo Riqueza. Este ao meu lado tem o nome de Sucesso.

— E eu cá, na outra ponta, sou o Amor.

Dona Jerusa riu ao ouvir aqueles nomes.

— Ai, que nomes engraçados. Mas venham prá dentro.

— Olha, dona Jerusa, nós só podemos entrar um de cada vez. A senhora escolhe qual de nós vai entrar primeiro.

A mulher ficou um tanto confusa com aquela história. Como escolher? Não sabia. Então, disse:

— Vou lá dentro conversar com meu marido prá ver o que ele diz.

Ela entrou e foi até a sala, onde o marido fazia umas contas das despesas de casa, pois viviam modestamente, já que seu ordenado era o suficiente apenas para a comida, alguma roupa e o essencial. Viviam economizando os tostões, como dizia Raimundo.

Quando contou a história dos velhinhos e perguntou quem ele achava que devia entrar primeiro, ele, sem pensar muito, foi logo dizendo:

— Ora, querida Jerusa, nem precisava perguntar. Mande entrar logo Riqueza. A gente ta precisando...

Nisto, foi interrompido pela filha Madalena, que disse:

— Ah, papai, melhor deixar entrar o Amor.

Seu Raimundo parou de fazer as contas, levantou o lápis do caderno e começou pensar.

Pensou, pensou e pensou.

Por fim, disse:

— Tá bom, Madalena tem razão. Manda entrar o velhinho que se chama Amor. Vamos ver que história é esta, que eu nem estou acreditando.

Dona Jerusa voltou ao quintal e disse ao velhinho sentado na ponta do banco, que dizia se chamar Amor:

— Venha o senhor primeiro, Amor.

O velhinho se levantou e se dirigiu à porta da entrada, aberta totalmente. Os outros dois velhinhos também se levantaram e o seguiram.

Dona Jerusa estranhou e disse:

— Uai, mas o senhor disse que só podia entrar um de cada vez. Agora vão os três juntos?

— Ah! (disse o Amor) Esqueci-me de dizer que quando sou escolhido para entrar primeiro, Sucesso e Riqueza podem entrar junto comigo. Mas se o escolhido para entrar primeiro for Riqueza, o Amor e o Sucesso têm de esperar.

— Esse eu chamasse o Sucesso em primeiro lugar? — perguntou dona Jerusa.

— Da mesma forma, Riqueza e eu, o Amor, teríamos de esperar. Na maioria das vezes, quando Sucesso ou Riqueza entram primeiro, eu, o Amor, sou esquecido e vou-me embora.

<><><><>

Vovó arrumou o xale de lã sobre os ombros e preparava-se para se levantar, quando Arturzinho, mostrando um ar de decepção, perguntou:

— Acabou, vovó?

Toniquinho falou como se tivesse entendido tudo:

— Claro que acabou.

E dirigindo-se à meiga avó:

— Esta história é verdadeira, vovó?

— Dona Jerusa, seu Raimundo e Madalena juram de pés juntos que aconteceu mesmo.

— Parece conto de fada...

Vovó então arrematou o assunto:

— A verdade é que seu Raimundo, que na ocasião era um caixeiro de balcão, não tinha nada, hoje é um homem de sucesso, muito rico, dono do Supermercado Rai-Rai e bom de coração, dando esmolas e ajudando a tudo e a todos que precisam de amparo.

E levantando-se:

— Vamos dormir, que já tá na hora. Deus os abençoe.

— Bença, vovó. — responderam os dois, disparando para o quarto de dormir.

ANTONIO ROQUE GOBBO

Belo Horizonte, 16 de Maio de 2017.

Conto # 1010 da Série Milistórias

Notas do autor:

(*) Contação = neologismo inventado neste momento. (16.05.2017, 10 h) = Ação de contar, narrar.

Tapete mágico: ver contos:

# 925 – Vovó Bia e o Tapete Mágico

# 936 – Vovó Bia Investiga

# 954 – Ivã o Terrível

# 962 – O Sábio, o Burro e o Galo.

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 05/07/2017
Código do texto: T6046276
Classificação de conteúdo: seguro