Novo mundo

O moço não vinha lá com sorte depois que perdera o emprego. Subir a pé a Ladeira Porto Geral não tinha sido uma boa ideia. Vinha caminhando desde o Brás pela Rua Assunção, depois pela Avenida Mercúrio até o Mercadão onde parou desencontrado a olhar as bancas com fome. O terceiro dia na grande cidade onde sempre deitara um olhar poético de estrangeiro tinha sido nada proveitoso. Batera em muitas portas, entregara todas as cópias de um currículo que havia trazido na bagagem e nenhuma esperança em curto prazo. A subida da ladeira foi o tiro de misericórdia no fio de ânimo que restava. – Chip da Vivo! - Desbloqueador de canais de TV, conversor para TV digital! - Cachorrinhos à pilha, guardanapos bordados à mão, quem vai querer? Quer não doutor? Quanto mais perto o topo da ladeira, mais longe os gritos dos camelôs. Tomou a esquerda da Rua Boa Vista, passou pelo Pátio do Colégio onde banhou com lágrimas uma lembrança de ali mesmo em outros tempos. Na Sé, tomou dos parcos Reais e comprou um bilhete de Metrô. Tomou o trem. - Próxima parada: estação Anhangabaú. Desça pelo lado esquerdo do trem. “Meu Deus, não estou suportando”. Desce gente, sobe gente, segue trem. – Próxima parada: estação República. Desça pelo lado esquerdo do trem. Saltou, subiu de escada rolante; Avenida Ipiranga.

“Não tenho dinheiro pra voltar, nem pra dormir, merda.” No primeiro dia havia pernoitado em um hotel barato, no segundo em uma pensão horrorosa, no terceiro estava num mundo que não conhecia. “Quem sabe se tivesse bajulado seo Raimundo, tão chegado à adulação, não estaria empregado ainda? Mas que merda, não sou assim, porra! Não seria capaz.”

A noite cai rapidamente e começa a aparecer os moradores de rua com suas tralhas, cobertores. Cada um a procura de um canto onde deitar a carcaça. Um rói pão duro, outro conta moeda, todos tragam cachaça disfarçada em garrafa pet. Era doido demais imaginar a filha, tão pequenina a espera do pai, e o menino tentando entender o que estava acontecendo. “Por certo, Betânia inventa uma desculpa cheia de raiva disfarçada, escondida.” Então enfia a mão no bolso e tira de lá o dinheiro que resta. Atravessa a avenida em desabalada carreira, desvia-se dos carros que o atacam com buzinadas e berros. – Louco! Quer morrer, veado? No outro lado, entra no bar e pede um corote de aguardente. Volta para onde os mendigos se alojam na calçada e com o cuidado de quem pede permissão, senta-se silenciosamente perto de um deles. Se sente mais pobre que os outros porque não tem cobertor, só um jornal de anúncios de emprego que comprara de manhã. É com ele que improvisa sua coberta. O cheiro de urina que exala dos cantos passa depois do segundo gole. A dor no peito, não antes do último. “Bem-vindo ao novo mundo”.

É acordado de manhã pelo pessoal da limpeza que lhe pede para sair dali porque o local tem que ser lavado. O comércio deve abrir em breve e tudo precisa ser limpo. Atordoado e faminto lembra a última ressaca de há tanto tempo que não fosse essa, forçada e infeliz, teria na memória apenas a comemoração que o levara àquela. “Agora é muito diferente - pensa. Tem cara de primeira de uma série infinita”. Perambula pelas ruas como um errante.

Passam-se meses, e um dia, segurando um velho cobertor enrolado, um homem magro de barbas longas, cabelo sujo, roupas esfarrapadas, cheirando a azedo, aproxima-se de um grupo de pessoas e pede dinheiro para comer. – Sai vagabundo! - Vai, fedido! - Vê se toma um banho filho da puta! Sem responder afasta-se deles se embrenhando na praça, desviando de gente, procurando o mato como um bicho. No chão, um espelho quebrado o deixa curioso. Tem vontade de se ver, mas não tem coragem. Mais tarde, protegido pela noite, volta à rua. Caminha como quem sabe aonde pode se despejar. Vê alguns lugares ocupados, caminha mais um pouco e reconhece logo adiante, vazio, um de seus asilos a céu aberto. Chega, estende o cobertor, aboleta-se na calçada à porta do velho cinema, e tendo por abrigo a marquise do edifício, dorme.