Passado que se retorna

É como se fosse uma máquina do tempo. Estou falando da minha mente, é claro, não daqueles filmes de ficção onde é possível fazer uma máquina e voltar no passado ou adiantar no futuro. Essa máquina estava ali à minha disposição, o meu cérebro, segundo alguns entendidos, o cérebro humano equivale à milhares de computadores juntos. Coisa de louco? Pode ser mas essa nossa vida é misteriosa, nosso cérebro faz parte desse labirinto e quem explica os mistérios? Parece que um dos humanos que conseguia esmiuçar alguns mistérios era Santo Agostinho.

Mas deixa para lá, o leitor acreditando ou não concordando com isso, eu vou voltando no meu passado. Não vou nem classificar o meu conto em ser crônica, é conto mesmo, porque então podemos errar, aproximar e por que não fantasiar...

A noite parecia longa, a madrugada logo ia chegar. Aquela insônia que teimava em algumas vezes me atormentar.

Aquela máquina, a minha máquina, o cérebro me levava para o tempo passado, nosso cérebro tem essa possibilidade. O meu como uma máquina do tempo ia me colocando no passado, a viagem era incrível! O bom seria se eu levantasse naquele instante e escrevesse tudo que ia desenrolando na minha mente, não perderia os detalhes daquele filme. Pelo menos na experiência desta mania de escrever é assim:

--- Eu fui lembrando daqueles anos retornando, voltando uns 40 e poucos anos, o tempo exato o meu consciente não sabia precisar. A certeza era que no sub consciente estava tudo gravado, pode ser que numa cessão de hipnose eu relatasse tudo detalhadamente o que estava registrado na massa cinzenta ou massa branca, nossa! Realmente o cérebro humano é uma maravilha indescritível...

Na lembrança era estudante ainda, estava no segundo grau (naquela época era assim que definia quem estava estudando o comercial, o científico ou magistério, pelo que me lembro) eu fazia o comercial que seria formar em contabilidade. Já era adulto portanto cursava o curso noturno, minha classe era só gente que havia parado de estudar quando criança e queria terminar o segundo grau e até mesmo o curso superior. (só gente grande!) eu estava ali junto com meus colegas, ávido também em aprender. Quando fui criança entrei no 1.º ano com 7 anos, minha primeira professora, ah! querida dona Maria do Carmo, era meu anjo protetor ou quer dizer ensinador, meus cadernos era só muito bem! Todas provas 10, 10... mas um dia ao passar para o segundo ano já era outra professora. Eu fui decaindo, nas minhas lembranças quando já estava no segundo ano, um dia eu disse que não ia para a escola, minha mãe falou:

--- Você vai. Eu retruquei:

--- Não vou. Aí ela pegou uma vara, (vara de marmelo para quem hoje não sabe é uma das varas usadas pra bater principalmente nas crianças) estava na iminência de levar aquela surra. Eu disse: - já estou indo. Mas não adiantou ela me propôs de acompanhar até à escola, eu achei melhor ir correndo, desse modo não passaria a vergonha, pois um garoto de 8 anos ter que ser levado até à escola na marra, pela mãe!!!

Só que não sei qual a mágica que minha mãe fez porque chegando na escola que ficava pelo menos bem longe de casa, minha mãe já estava lá...

Nos estudos, era muita repetência nos anos seguintes até que um dia eu disse:

--- vou parar de estudar. E parei, quando me dei conta já era adulto, a vontade de voltar a estudar era intensa. Então continuei. Na época tinha de conseguir terminar o ginasial, para depois estudar mais 3 anos afim de concluir o segundo grau. (hoje parece que se diz: ensino médio)

- Então estava lá eu, já adulto tentando mais tres anos pra concluir o comercial e formar em contabilidade. Os colegas também adultos, alguns comerciantes, operários, até alguns já formados em outras áreas. Na hora das aulas, tinha professor que dava gosto de escutar, aprender, mas aparecia alguns estrupícios, desses professores que sentem que estão lá em cima e os alunos embaixo de seus pés.

Não lembro em qual dos anos, 1º, 2º ou 3º tinhamos um professor de matemática duro de engolir. O homem podia ter seus 50 e poucos anos, robusto, quando entrava na classe de aula mostrava que era de poucos amigos. Começava a sua matéria a temível matemática. No quadro negro ia acumulando números, depois complicadas equações, (pelo menos para nós era) depois explicava tudo na velocidade da luz e dizendo sempre:

--- Vocês tem que aprender, a base pela lógica já devem ter. Se chegaram até aqui, se não aprenderem a minha matéria o que eu posso dizer é: --- bomba!!! Doa a quem doer...

E na hora da entrega das provas ele ia entregando e falando o nome do aluno infeliz:

--- Fulano, você tirou zero, ciclano, zeroo... e quase toda sala o zero era retumbante, ele notadamente tinha o prazer de distribuir os zeros, seu deboche era estonteante, dizia que ia fazer um colar pra cada um.

Na escola inteira o tal professor era o vilão. Reclamações diretas na Diretoria, apelos dos alunos que não tinham esperança de passar na matéria de matemática, repito, pessoas adultas, sérias e até quem já tinham passado em outros cursos, quesitos inquestionáveis de que não eram alunos ináptos.

O Diretor continuava inflexível, dizia:

--- Mas ele é um ótimo professor de matemática, entende da matéria e eu não posso dispensá-lo, a não ser se ele mesmo deseje sair...

As massas cinzentas começaram a trabalhar. Se não eram rápidos nos raciocínios matemáticos exigidos pelo professor, vários raciocínios rápidos surgiram pra tirar o professor de matemática.

Um dia o famigerado professor, ia pomposo, confiante, saindo com seu carro no término de sua aula, no primeiro movimento um barulho ensurdecedor, várias latas vazias amarradas na trazeira do seu carro. Teve de continuar, de seu carro não podia sair, quase que a escola toda o vaiavam sem parar. Foi a última vez que vimos aquele professor.

Se eu estava no meio dos que estavam vaiando? Não estava no meio de uma pequena platéia assistindo. Meu cérebro teimava em me afirmar que a matemática é bela, importante, como estudante talvez eu não a admirasse tanto, mas com o correr do tempo eu constataria que ela é uma maravilha indescritível...