O samba nas festas juninas
Da minha infância no interior
Lembro de tudo com muito amor
Entre outras coisas, está viva ainda
A doce lembrança das festas juninas.
Fazia frio, caía geada,
Mas mesmo assim toda a garotada
Ficava em volta da grande fogueira
Ouvindo o samba.
Que gente festeira!
O negro Caetano e a esposa Margarida, bela africana, saia longa colorida, colares e brincos de argola dourados todos os anos vinham de São Paulo para as festas juninas em Descalvado.
Eram aguardados por toda sua família: gente pobre demais, que mantinha no sangue e na alma a dolência da saudade e os hábitos oriundos de África. E que mesmo com poucas e desconfortáveis acomodações, tinham um lugar para os que vinham de fora. Estes, chegavam ao meio dia e vinte e oito, pontualidade invejável do trem da Cia. Paulista.
Quem também ficava feliz com a vinda deles era meu pai, pequeno comerciante, que venderia uma boa quantidade de mercadorias a essa gente unida em torno de seus respeitáveis e queridos entes. Sentia-se honrado em receber em seu modesto estabelecimento tão notáveis visitas.
À noite, vésperas de São João e São Pedro, Caetano tocava seu tambor em torno da fogueira enquanto sua esposa sambava embalada pelo canto-lamento e pelo calor do fogo que crepitava até o raiar do dia. Crepitar esse que devia arder nas entranhas, tamanha a saudade, a nostalgia da terra de seus antepassados. Crepitar que também remetia ao estalar do chicote na negra pele de seus irmãos, tão dura e curtida como o couro que recobria os tambores.
E de nossa cama, minha mãe e eu,
Em meio ao frio, sob os cobertores
Ouvíamos o rufar dos velhos tambores.
O samba dolente remetia a saudade
Da velha África, dessa gente sofrida
E ouvia-se o triste canto, como um desabafo:
“Tatu cavucô, cavucô, chegou na arvi e parô”
E rodavam as saias aquelas negras, num ritual religioso que mantinham havia décadas e que nós, simpatizantes, respeitávamos e incorporamos como cultura.
Hoje, na cidade grande, na solidão de meu quarto com a tarefa de escrever sobre festas juninas, não poderia jamais deixar de reverenciar essa família tão unida em torno de seus ancestrais e de sua cultura.
Seu Caetano e família, Seu João Inácio e família, vocês não estão mais fisicamente entre nós, mas a lembrança e a saudade, essas, não partirão de nossas recordações e, enquanto viva for, os reverenciarei com o devido respeito e admiração de que foram dignos.
Cida Micossi, Santos, 09/06/2010