A arribaçã do demônio

 

     Aqui em Nóis, como agente aqui custuma dizer, viveu um caboclo cujo nome ninguém nunca soube e nem quis saber. Mago, branco veio queimado de sol, pouco mais de vinte anos nas costas,  mais parecido com um velho do que com um moço que realmente era. Ligero feito bote de jararaca e forte feito novilho novo era um homem de poucas e breves palavras, sempre com uma resposta boa na ponta da língua.

     Seu andar era cambaleante, como se nunca desmontasse da sela de seu cavalo, ou como se sempre estivesse bêbado, o que era raro, embora o danado fosse sim chegado a tomar uma aqui é acolá. Desprovido do dom da beleza e privado da versatilidade com as palavras, podia-se dizer que sua vida estava fadada a ser uma desgrasença só!
      Mas, como Nosso Senhor lá no céu é misericordioso, o Caboclo recebera do criador de todas as criaturas um dom muito preciso para aquelas terras hostis. A mira! E que mira! Olha, para aquela época e aquelas bandas, onde o diacho cavalgava pelo sertaozão adentro, em noites frias, montado em seu cavalo de fogo e puxando o lobisomem pela coleira, feito cão vira-lata, ter uma mira boa era uma vantagem, um dom, uma dádiva e tanto.        Diz o povo que falar é fácil e cagar é substância, e, assim sendo, era muito comum o povo desafiar o Caboclo a provar a sua mira prodigiosa em um ou outro desafio. Vira e mexe, aparecia alguém disposto a apostar alguns vinténs, ou mesmo contos de réis, para ver o Caboclo acertar um tiro, de primeira, em uma moeda jogada para cima antes que a moeda caísse no chão, justamente a tardinha, com o sol se pondo vermelhão na terra seca e cinza, momento em que fica tudo furta cor, dificultando a visada.
     Menino... Tinha paréia não visse? Podia botar o cabra mais forte  do mundo para jogar a moeda para cima que não dava outra, Só se escutava a zuada, o pipoco do pau de fogo do Caboclo e lá vinha em seguida o tilintar da moeda caída no chão, arrombada ou pelo menos amassada, bem no meio. Mais, como a palavra de um num valia nada para outro, sempre tinha mais um besta disposto a perder dinheiro, e o caboclo nem pensava em se fazer de rogado, aceitava o novo desafio na hora. Era uma proposta mais besta que a outra: _Caboclo, tú acerta uma lata a tal distância? _Acerto sim sinhô, Dizia entre os dentes. _Caboclo, tú tora uma corda fina balançando ao vento? _ Toro sim sinhô. _Ô caboclo, tú é bom mesmo? _ Diz o povo, sim sinhô... E por aí ia aindo. Pois, nesta coisa de ir aceitando apostas para acertar isso e aquilo com sua boca de fogo, seu trabuco, a cuspideira do cão, né que o danado fez fortuna! Foi... Foi sim... E nisso os dias foram se passando...   Um dia, chegou na cidade um circo, destes em que todos os atores eram cinco pessoas para duzentas apresentações diferentes. O Dono do circo e pai de família, sua esposa e bilheteira, sua filha vendedora de doces, trapezista, contorcionista e advinha e o filho desocupado e galanteador profissional. Além da família, todos ciganos, ainda tinha uma anãozinho barbudo, zarolho e turco que quando se zangava, se danava a xingar em sua lígua embolada que ninguém conseguia entender. Aliás, sabia-se que ele tava esculhambando o povo a torto e a direita pelos gestos feios que ele fazia. Este, por incrível que possa parecer, era o segurança da trupe. O Dono do circo, um cigano gordo, de bigodes fartos que enrolava, nas bochechas gordas e coradas, sempre que chegava em alguma cidade nova, procurava saber se ali, por um acaso ou sorte do destino, existia alguém com algum talento que pudesse ser aproveitado no circo. Não tardou muito e logo ficou sabendo das habilidades do Caboclo e em um fim de tarde, foi até o curral onde o Caboclo se exibia e depois da apresentação convidou-o a fazer uma visita ao circo, assistir um espetáculo, comer uma pipoca, tomar uma cajuína, etc... O cigano tava doido para levar o infiteti para o cheiro do queijo a fim de convencê-lo a entrar para a trupe de artistas. O caboclo ouviu o convite, ficou meio desconfiado mas resolveu aceitar. O Caboclo sabia que aquele velho cigano não dava ponto sem nó e alguma coisa queria dele. Mesmo assim, resolveu aceitar. Naquela mesma noite colocou sua melhor roupa e foi ao circo. Assim que chegou deu de cara com o anãozinho e achou engraçado, entrou, sentou-se perto do palco que estava iluminado apenas por duas tochas de fogo equanto o ar era inundado por uma fumaça perfumosa que El nunca tinha visto. Ficou abismado. Ao mesmo tempo, meio que de longe, ouvia o som que vinha de um gramofone que tocava uma música bonita mas que lhe deixava meio zonzo, sonolento... Daqui a pouco, quando o Caboclo já estava quase cochilando, entrou nocentrodo picadeiro uma linda mulher, vestida como se fosse uma odalisca, e trazia em seu pescoço a “jararaca” mais cumprida que ele já vira. _Vixe Maria!   Disse espantado! A mulher era a pura formosura, linda de vive! Branca feito areia fina de leito de rio, cabelos negros como as asas da graúna, os olhos, eram da cor de mel de jandaíra, sua boca, meio entreaberta, lembrava na cor carmim o fruto do mandacaru. “Será que era gostoso também?” pensou... E o corpo? Simplesmente o mais lindo, farto e perfeito que já tinha visto em sua vida. Alta como ele, peitos grandes, bunda brande, cintura fininha, coxas roliças, e uma xoxota estufada! _Rapaz, precisa mais nada não! Disse baixinho só para si, sem perceber que Dona Maria Joaquina, a veia mais fofoqueira e maledicente da cidade estava ao seu lado. “ Que se réie” pensou ao perceber que a veia tinha ouvido e estava rindo discretamente de suas observações amorosas. Passado o primeiro impacto, passou a prestar atenção no espetáculo daquela mulher linda com uma cobra nas mão, ela gostava de cobras... A bela mulher dançava ao ritmo da música que saí do gramofone enquanto a funaça perfumosa enchia seus pulmões. Ela se requebrava da lá para cá, de cá para lá, de uma forma que seus olhos, nem que ele quisesse, não conseguiam deixar de olhar para ela. Em certo momento, notou que ela o olhava também, de uma forma fixa. Sempre que o Caboclo olhava a mulher, lá estava ela com aqueles olhos de biloca olhando para ele. Ficou encabulado e baixou a cabeça. De repente, ela se aproximou dele, puxou ele para o centro do palco e passou a dançar com aqueles panos voando ao redor dele sem lhe retirar os olhos dos olhos dele. Ela rodopiava, rodopiava, olhava, olhava, e foi dando no Caboclo uma vontade danada de agarrar aquela mulher, queria aquela mulher! Só que quando ele foi estendendo os braços em direção àquela belezura, ela deu um rodopio e sumiu! Simplesmente sumiu na sua frente! O Caboclo ficou matutamente no meio do palco sem saber o que fazer, até que um grito vindo do meio da escuridão disse: _ Sai daí Papa-Angú! Volta para teu canto miserávi! Meio que envergonhado, porém encafifado, voltou para seu banquinho de madeira. Sentou, passou alguns segundos atônito e ficou fitando seus pensamentos em busca de uma resposta do que acabara de acontecer com ele? Será que tinha cochilado e sonhado? Ou será que tinha sido enfeitiçado pela aquela mulher? Pois é, tanto jogou a fía pra cima do caboclo que acabou casando os dois, Imagine aí a prezepada no dia do casório. Um sertanejo, vaquero brabo, vestido meio a meio, metade vaqueiro, para ele seu terno a pedido de sua maínha e metade cigano, a pedido de seu sogro e esposa. O fato foi que assim se deu. Casou o mago véio... Como seria de praxe, a trupe de artistas segui seu caminho mundão aforma de de tanto andar, o caboclo viu coisa que nunca tinha imaginado antes, viu pirâmide com múmia e tudo, num tal de Egito, Viu hômi que dormia em cama de faca na Índia, aliás, nunca pensou que existia uma lugar com nome de povo, Índio... "Onde já se viu...", pensou. O caboclo de tanto andar mundo aforma se apresentando no circo, foi aprendendo uma palavrinha aqui, outra acolá, até que de tantas letrinhas novas na sua cabeça, se dizia um "polilínguas" cheio de si e com o peito estufado. E num foi só o peito que ficou estufado não... Não sinhô! a emprenhação da mulher foi gande... Toda noite, dormindo numa tenda parecendo a casa de um rsheik da arábias, tome! e era uma menino feito em cima do sangue do outro... Era fío que o casal nem podia contá. A mulher nunca se fez de rogada, parideira e fudedeira por tradição, Quente feito curisco caído do céu... Sem falar no fato de que a danada conhecia como ninguém as artimanhas do amor, sabendo cada posição de sacanagem aprendida num livro chamada de Kama Sutra, que ela sempre deixa perto do caboclo onde quer que ele estivesse, pra ele sempre dá uma olhadinha... Pior é que o caboclo olhava mesmo e via naquelas gravuras... O complemento da aprendizagem, a inspiração para se aprimorar na arte do amor, que diga-se de passagem aprendou logo menino com uma cabra bonitinha a danada, que carinhosamente chamava de mimosa... Ô mania feia... Coisa de sertanejo tarado que depois de casado deixou. Enfim, era chibatada todo dia! O tempo foi passando, o caboclo juntando seus cobres e um belo dia, seu sogro que já era bigodudo e agora resolvera deixar os bigodes ficarem com mais de palmo de cada lado, feito as costeletas, resolveu voltar a cidade de origem do caboclo para ele rever a mãe, a família, afinal, vai que a saudade aumentava muito e o caboclo resolvia largar a filha dele. E assim se deu... Rapaz... Quando a caravana chegou na cidade foi aquele alvoroço, todo mundo correu para ver o circo dos ciganos que havia aumentado em número de espetáculos, de pessoas estranhas e de animais exóticos. Tinha um pouco de um tudo num sabe? Apois foi... Era mulher de bigode, Anão de duas cabeças, negrinho de um metro e meio de rola... Um horror! Hômi cobra, e por aí ía. De bicho diferente então? O que mais o poco da cidade do caboclo tinha noção era de um Tigre de Bengala que eles diziam ser "uma onça pintada mais gorda e braba..." Apesar de dtodos estes atrativos, o olhar da cidade buscava o caboclo e não tardou a reconhecê-lo. Foi aquela aleria! Todos da cidade tinha visto o caboclo ainda nos cueiros, e saído da cidade com uma mão na frente e outra atrás, com dois únicos dons: A misericória de Deus e uma pontaria do Satanás... E agora, o que voltava era um homem vistoso em seus trajes, porque bonito mesmo ele nunca foi, mais forte, pra num dizer mais gordo, e copiando o sogro no bigodão cumprido que deixou crescer na carranca. Ômi, era Rodolfo Valentino purim, purim... Uma munganga só! Como se diz lá em nóis. Conversa vai, conversa vem e logo o povo fica sabendo que a pontaria do caboclo, com a idade, e treino, tinha ficado ainda melhor. E tem mais, agora o danado sabia arremessar uma faca como pouca gente. Tava a muléstia! os dias de visita e ganho de dinheiro vão passando e o caboclo, que de besta só tinha a pomba, tava lá a prova na penca de cabolinhos-ciganos que sua mulher lhe havia parido, que seguia os pais pra riba e pra derriba por onde quer que o casal fosse dentro da cidade. O caboclo era muito grato a seu sogro pela sorte que tinha tido na vida... Uma linda esposa! morena, dos seios fartos e bicudos, ancas de égua forte e parideira, lindos e longos cabelos negros como a asa da graúna, uma linda crina de égua, isso sim que é muiê pensava... A oportunidade de juntar os cobres que havia juntado e que agora iria lhe permitir compar uma fazenda na região, um gadinho, umas cabras boas de leite e um bom bode pai de chiqueiro, umas galinhas, uns patos e uns capotes, " a fim de intertê maínha" dizia ele, pois de agora em diante ele daria vida boa aos pais e irmãos que tanto já sofreram na vida. O caboclo sabia que sua esposa ficaria triste em não partir, em ter que ficar em um lugar só, coisa que ia completamente contra sua natureza, e tentou achar a melhor maneira de dizer a ela que era hora de assentar o facho e ficar por ali, seu lugar de origem, perto dos seus pais que não tardaria receberíam o chamado do anjo da morte, e quando isso ocoresse, queria tá perto deles para poder ao menos fazer a raspagem e lavagem do corpo deles, guardar os três dias, as rezas antigas... _ Marido, na mesma noite que che coloque meu ollar de amor por primeira vez, vin nas miñas cartas de baralla xitano, como sería toda a nosa vida ... E que, un día, eu tería que separarse me da miña xente. fago isto marido, por amor a ti. Non abales teu corazón. pois esta xitana, é túa para sempre así como es meu para sempre. O caboclo ficou feliz demais! feito pinto no lixo! Chegou até a sentir a pomba endurecendo... Mas antes do caboclo partir para cima da cigana para lhe abraçar já de rola dura e com segundas intenções, sua esposa retomou a palavra e o que ela falou deixou o caboclo com as pulgas do circo todinhas atrás de suas orelhas de abano... _ Marido, ti sabes que o mi pai e miña mala che tes como un fillo, e así sendo, garda moita estima e consideración pola súa persoa. Con todo, no momento en que anunciares que deixarás noso pobo e costumes, e que quedarás, tirando deles unha filla amada, e os seus máis apreciados netos, terás deles todo o odio do mundo! E máis: todas as pragas que se poida conjurara, serán lanzadas sobre as túas costas e passarás a ser considerado ti, a min ea nosos fillos, malditos mortos que andan sobre a terra, saibas diso meu amor! A miúdo esta situación, ámoche e acepto túa decisión. O caboclo, tinha andado muito tempo com a ciganada pelo mundo e sabia o que era ter nas costas um quebranto de magia cigana, más ele, devoto de Padim, Padim Ciço, Devoto de Santa Rita de Cássia, esposa fiel de Jesus, ía ter lá medo de merda de boca desdentada de véio e veia de bigode! "Agora deu a muléstia mêrmo pensou..." Estava decidido, ainda naquela manhã saiu a cavalo, rodou toda a região e achando uma bela fazendona bem afeiçoada, que sabia que o dono, um tal de João Góro, tinha morrido havia alguns anos e deixado muitos filhos e netos, e que somente um ou dois davam valor a terra. o resto? Queria mais é que vendesse logo para quimar o dinheiro em besteiras na cidade grande onde moravam. pediu licença, que lhe foi dada por uma das filhas que lá moravam, uma das poucas que davam valor a aquela terra e foi deixado a vontade de cavalgar as terras a vontade. E confirmou o que lhe havia dito, as terras da fazenda era uma belezura só! Só o açúdão, era uma mar e dizia o povo que em uma saca braba que deu que durou sete anos, o abençoado do açude num baixou água! E as galinhas d'água? Parecia que ele tava sonhando... Parou, olhou novamente um serrote ao longe coberto de Paus D'arcos em fôr violeta, brancas, amarelas, e chorou agradecendo a oportudidade dada por nosso senhor. agradeceu a licença dada, foi em busca do filho mais velho e responsável pelo negócio e com a força de uma velinha acesa por sua esposa, a acertada da compra da fazenda se deu antes do sol cair no serrote vermelhão. O caboclo e sua cigana eram só alegria, embora o coração dela estivesse apertado pois sabia como seria dura a conversa entre seu esposo e seus pais...   Durante a ceia, antes dos espetáculos daquela noite, o caboclo disse: _Muiê, a coisa lá é tão abençoada, tão boa, que diz o filho do falescido dono que até ninhal de arribaçã assenta chocada por lá... É como se fosse carne caíndo do céu como diz nas antigas escrituras. E tam mais, diz o povo da região que o finado enterrou uma botija, cheinha de dinheiro antigo, em moedas de ouro e prata, uma verdadeira fortuna, que um dia, numa precisão maior, Deus pode revelar a tú, qum sabe? _Marido, estou feliz que teñas adquirido boas terras para a nosa familia, e que alí sexa para ti, como unha terra prometida. Agora, eu prefiriria que non houbese nin este tesouro de morto enterrado alí, nin moito menos, estas pequenas aves, que o meu pobo considera de mala sorte, agourentas e anunciadoras de desgrazas, e somos prohibidos nos alimentarmos delas. Prométeme Marido, xamais vas querer saber de tal tesouro e nunca! Nunca mesmo! mexerás coas aves, deixarás elas viren, procriarem e iren ao seu tempo ... Pormeta me xa marido! O caboclo olhou assim, meio que de revestério, ficou calado dando a entender que aceitava a promessa porém usando da esperteza sertaneja, nada disse e antes que ela pudesse cobrar dele uma palavra falada da qual ele não poderia fugir, calou a boca da mulher com uma arroxada das boas, das que ela adorava que ele fizesse quando ele ia pra cima logo rasgando o vestido, deixando-a com os fartos seios a mostra... Aí nêgo véio, acabou-se a cigana... " só conseguindo dizer antes de dar uma logo depois da ceia e antes do circo pegar fogo o seguinte: _Meu home, a miña volcán, me posúa! me teña pois son túa! E o teu destino será o meu destino! Súa sorte será a miña sorte, ea túa desgraza ... A miña desgraza! Pero por hora, posúa-me! Pois arde meu corpo de desexo polas caricias da túa carne! Meu véio, depois de sentar a chibata em sua amada cigana, fingindo que iriam cumprir sua promessa de não buscar botija alguma e nem de mexer com as arribaçãs, foi em busca de seu sogro e disse sem rodeios que iria ficar, assentar o facho pois tava cansado de andanças pelo mundão aforam e cois a tal. A reação do seu sobro foi só uma: Praga feito a muléstia! O caboclo já sabendo que isso iram acontecer só fez dar as costas e pedindo a Santa Rita de Cássia que o livrasse de todo aquele mal conjurado. Antes do sol raiar, o circo de seu sobro sumiu da cidade. “ menos mal, pensou o caboclo”. Assim que entrou em sua nova propriedade, o cabolco que era homem muito do trabalhador, deixou em pouco tempo a fazenda uma belezura só. Dava de tudo pois a terra era boa e irrigada de sour e amor, aí foi que a coisa floresceu. Até dos Paus D’Arco do serrote ele cuidada, podando os galhos mortos, adubando, para sempre dá florada bonita. Os anos se passaram e inevitavelmente veio um período de seca, e vendo a fome dá uma certa rondada na região o caboclo, sem nada dizer a sua cigana resolveu engrossar a bóia com carne de caça. Foi pro mato e de tudo sempre trazia um pouco pois sua mira tava cada vez melhor com a idade. Até que chegou as arribaçãs, fizeram seu minhal na propriedade como de sempre e o caboclo não resistiu a tentação de saborear as bichinhas, uma tradição secular dos sertanejos e não pensou duas vezes em ir buscar algumas. Pegou seu bornal, sua espingarda de soca, a mais apropriada para este tipo de empreitada de caça e lá foi o hômi em diração ao ninhal. Foi antes que o sol desse as caras, com as bichinhas tudo dormindo coitadinhas! O caboclo, só esperou os primeiros raios de sol e BUUUMMMM! DISPAROU o pau de fogo em direção a ninhada que saiu em avoada em alvoroço. Apesar de tentarem fugir, quase tudinho tombou antes mesmo de atingir dois metros de vôo. O caboclo, todo satisfeito com o resultado de sua caça saiu catando uma por uma e logo arrancando as cabeças a fim de não arpodecer a carne. De bornel cheio, se pôs de volta em direção a fazenda e depois de caminhar alguns metros na caatinga, sentiu um rebuliço dentro do bornal, “vixe, pensou cofiando a barba rala de bode, tem coisa aqui dentro, será Corre campo? Cascarvé? Jararaca?”. Parou, abriu o bornal com um calho seco que num era besta nem nada e quando pensou que não, saiu voando lá de dentro uma arribaçã das mais grandes sem cabeça e tudo! Menino, se tivesse bosta pronta para sair o caboclo tinha se cagado todinho! Ô medo da muléstia! O caboclo ficou tão atordoado que saiu correndo caatinga aforam sem rumo, e a danada sem cabeça em seu encalço, soltando uns piados agourentos, diferente mesmo, parecendo um assobou do satanás. Lembrou do que sua cigana havia dito, só que agora não dava para volra atrás. Parou, e notou que a infiteta da arribaçã do diacho parou também e deu um piado que ele entendeu que ela tava chamando ele de corno filho da puta! Aí nego véio foi demais... Além desta ofensa, ela ainda balançava as asinhas como que chamando ele para a luta e partiu num vôo rasante para cima dele! _Felá da puta! Gritou! Tú vai ver com quem tá bulindo fía do cão! O caboclo se escondeu dentro de um espinheiro, quase se rasgando todo e preparou um segundo tiro, a danada só rondando lá do céu e piando como se fosse passarinho de cria do demônio. O caboclo nunca adentrava mato só com um tipo de arma e sabou de seu ombros uma papo amarelo, herança de um parente seu do tempo do cangaço, esperou a danada cansar e assentar num galho de Jurema e meu fogo.   O tiro foi tão certeiro que a danada caiu tesa, só o bocal, quase sem carne da potência do tiro. _Venci sua desgarça do diabo, gritou! Venci! Correu antes que a danada envivecesse de novo e desta vez cumpriu outra tradição dos sertanejos caçadores, abriu o corpinho já esfacelado da danada e comeu o coraçãozinho dela cru mesmo, a fim de manter sua pontaria boa e garantir que sem coração ela estivesse morta mesmo sendo uma ave de estima do capeta. Depois deste emprevisto, se colocou a caminho de casa e quando estava quase chegando, sentiu um novo rebuliço no bonal... “Né possivi”, parou e desta vez abriu com as próprias mãos o bornal e o que viu quase o fez desmaiar: todas as arribaçãs de dentro do bornal, já sem cabeça e lideradas pela sem cabeça e sem coração saíram em revoada, paindo feitos loucas gritando seu nome. Coisa que pouca gente sabia... cercaram o pobre e ficaram voando ao redor dele enquanto ele se pegava com todos os santos que conhecia, até São benedito, santo preto que ele nem gostava muito pois achava muito escurinho. De tanto rogo as danadas resolveram ir embora más não sem antes deixar uma lição: cada uma delas deu um rasante e deu aquela pratada de merda na cabeça dele, mostrando que ele podia ser bom de mira, más quem infringe as leis da natureza num passa de um bosta! Resignado, o caboclo todo cagado de merda de arribaçã olhou para a sede da fazenda e viu sua cigana só olhando, e seu olhar dizia tudo... “ Me fudi"... Pensou caminhando para casa, bem que ela me avisou...
CONTINUA...

ELIZIO GUSTAVO MIRANDA DOS SANTOS
Enviado por ELIZIO GUSTAVO MIRANDA DOS SANTOS em 18/06/2017
Reeditado em 24/08/2022
Código do texto: T6031111
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