O ENVELOPE BRANCO

O ENVELOPE BRANCO

Os pensamentos rosnavam feito cães descontrolados. Era como se estivesse fechada num labirinto de ideias. Ali estava o resultado do exame de sangue. Positivo. Conversaria com ele. Sabia que ele a acolheria em seus braços de aceitação.

Um arremedo de dúvida a assaltava. Tinha a faculdade. Último ano de medicina. Mas não queria estragar o momento desafinando amanhãs.

Everton havia montado sua clínica de cirurgia plástica. Dava aulas na faculdade. Fazia plantões no hospital. Tudo concorria para o sucesso na carreira. Estava tudo bem.

Namoravam há cinco anos. O relacionamento era sólido. As famílias eram amigas e Maria Cristina sentia–se protegida.

Não disse nada a ninguém. Queria que ele fosse a segunda pessoa a saber. Talvez tivesse que guardar seu segredo por mais tempo do que gostaria. Everton não estava na cidade. Fora visitar os pais no interior. Ficaria para o casamento de sua prima mais velha. Mas assim que chegasse receberia a grande notícia.

Maria Cristina estava ansiosa. Queria colo. Pensou em escrever uma carta. Mas conteve-se. Faria um suspensezinho. Um tipo de representação teatral. E divertia-se com a ideia.

Numa tarde indolente de poucas nuvens, Everton chega no alojamento dos estudantes. Maria Cristina o espera radiante. Nas mãos o envelope branco ainda guarda o segredo irrevelado. Ajeita um chumaço de cabelo rebelde e o prende com um grampo marrom. Pronto.

Excitada entrega o sorriso meigo e o envelope cúmplice.

Everton abre. Cambaleia. Faz cara de poucos amigos. “O que significa isso?” E despenca em silêncio. Treme um pouco mais e encerra a cena dramática. “Livre-se disso!”

Maria Cristina estende as mãos em busca de apoio. Uma leve vertigem a faz flutuar. Cai como flor despencada. Amassada como quem tudo investiu e tudo perdeu. Pisoteada. Não sabia como adestrar a dor furiosa que esganava sua garganta. E destroçava seu peito que, impossível de sentir, emudeceu-a fulminantemente.

Nuvens densas se perderam nos braços da noite. Do lado de fora da porta do alojamento o envelope branco esvoaça. E leva para longe a promessa de vida que ali se anunciava.

Mírian Cerqueira Leite

Mileite
Enviado por Mileite em 15/06/2017
Código do texto: T6027753
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