A Missa das Árvores
Brás Pinga: As árvores são os seres vivos mais perfeitos que existem. Não leem nem escrevem livros, porém são sábias.
Saulo Anacoluto: Sábias? As árvores? Que disparate. Não faz sentido atribuir sabedoria a seres irracionais.
Brás Pinga: Não foi de uma árvore, cujo fruto nos fora proibido, que proveio toda a sabedoria humana?
Saulo Anacoluto: A história de Adão e Eva é simbólica, permeada de metáforas, o que nos desautoriza a lê-la ao pé da letra.
Brás Pinga: Metaforicamente ou não, hás de convir que as Escrituras não me deixam mentir. As árvores são sábias, biblicamente falando.
Saulo Anacoluto: Sim, e o que mais?
Brás Pinga: Muito mais. As árvores não entram a contender entre si, não fazem guerra; pelo contrário, unem-se e formam matas, florestas. As árvores não ferem a outro ser vivo tampouco o solo para produzir seu alimento. Com este se irmanam, unidos num conúbio de benefícios recíprocos. As árvores produzem frutos e folhas que servem de alimento a outros seres vivos, e elas mesmas cedem seus galhos para morada e sua sombra para descanso. Veja o produto da digestão das árvores: é o ar vital, necessário a toda vida na Terra. Até a imobilidade da árvore, que algum desavisado poderia julgar uma desvantagem, serve para nos indicar, ao contrário do que sugere nossa soberba, que às árvores cabe a primazia na Criação. Com efeito, enquanto precisamos de exercícios físicos para preservar nossa saúde, as árvores parecem desdenhar de nós: permanecem imóveis, porém robustas e saudáveis. E tudo isso é-nos dito em eloquente silêncio. De forma que se há alguma missa, culto ou cerimônia religiosa no mundo que mereça a atenção da devoção humana, essa é a missa das árvores. Silenciosa e diuturna missa, tão velha quanto os anos de Adão, tão atual quanto a sombra deste oitizeiro nesta tarde ensolarada. Aproveitemo-la, Saulo, e oremos.