Learning to Walk Again

8

Pra não dizerem que eu só falo de minhas dores, às vezes reservo espaço entre meus versos para algumas flores e para alguns sorrisos.

Mesmo a maior das tempestades aduba o jardim, diz a letra da música que eu canto para tentar consolar a mim mesmo, e olhando para o jardim na frente de casa eu vejo flores, sim. Meus olhos encharcados ainda não perderam o brilho, minhas mãos não perderam a força, minha boca não perdeu a voz e meu corpo ainda mantém algum calor. Talvez isso não signifique nada para quem não esteja olhando. E por meses eu não olhei. Eu só sentia o gosto da derrota e do meu próprio desamparo. Eu abandonei a mim mesmo, deixei de ser o que era por uma causa perdida. Quando a derrota final veio, junto com o armistício exigindo rendição incondicional. Eu me rendi. Armas no chão. Cabeça baixa. Quis ser executado pelos crimes de outrem, só para acelerar o fim. Mas a poeira foi baixando e a terra devastada do meu peito pareceu calma novamente. As chuvas foram lavando as lágrimas e o sentimento de perda territorial, que na verdade era uma ilusão. A chuva me deu novos olhos, e com eles, eu estava vendo tudo com novas cores.

Dava pra sentir ainda os arranhões em minhas costas. Dava pra sentir o cheiro do perfume de Stefanie entranhado em minha pele. Eu quase podia ouvi-la dormindo no quarto. O sono mais inquieto que eu já vira.

Tive medo que o barulho da chuva a despertasse. Tive medo que meus passos lhe roubassem a tranquilidade da modorra. Voltei para o quarto e ela permanecia adormecida, com o corpo descoberto e o púbis maravilhosamente exposto. Os seios, nem pequenos nem grandes, seguiam o ritmo lento de sua respiração. Sentei-me ao seu lado e me deixei perder naquele momento. Fui trazido novamente à realidade pela própria Stefanie, que acordara de sobressalto. Assustada com a minha presença ela se pôs sentada, depois me abraçou, chorando e soluçando.

Abracei-a também e esperei que ela se acalmasse. Ela se afastou um pouco e me olhou nos olhos.

- Você está bem? – Disse-me.

- Estou, meu bem. Estou bem, e estou aqui.

- Tive um pesadelo com você. Você estava tão triste, e eu não consegui te consolar.

- Você tem feito o que pode. E tem feito muito mais do que qualquer outra pessoa.

- Mas não parecia suficiente.

- Não se preocupa com isso, meu bem.

- Como você conseguiu passar por tudo o que passou sem se revoltar?

eu só vejo você triste. Não te vejo com ódio nem raiva.

- Acho que essas coisas não cabem muito bem em mim.

- De alguma forma eu senti em mim tuas dores durante o sonho e me subiu uma raiva pela espinha...

- Não pensa mais nisso. Deita aqui comigo.

Deitamos os dois, com as pernas aninhadas. Stefanie colocou a cabeça em meu peito e ficou suspirando, ainda exaltada.

Aos poucos nossas respirações foram sincronizando e tudo pareceu finalmente em paz. Pelo menos teoricamente.

Stefanie logo teria que voltar para as suas obrigações e eu para minha rotina. E nossos encontros voltariam a ser raros e espaçados. Ela tinha muita coisa a resolver antes de poder se envolver da forma que estávamos fazendo. Separação, crianças, mudanças... Ela tinha muita coisa para pensar e eu não queria ser mais um problema a se resolver.

Espatifado internamente como eu estava, também não poderia me dar ao luxo de ir muito mais fundo do que eu já estava indo.

Apesar de tudo era bom viver apenas naquele momento, sem olhar muito para frente. Era bom focar apenas nas flores e deixar o concreto de lado.

Não como escapismo ou fuga, mas por necessidade. Por que a forma que encaramos esses momentos é o que define nossas vidas.

Eu resolvi pegar o melhor que cada pessoa decide me oferecer e guardar dentro de mim. Resolvi transformar esses momentos em “eternidade”, um capítulo por vez, como um porta retratos de lembranças.

Apesar de eu me sentir quebrado, algo me dizia que ainda existia espaço para muitas histórias,

que eu poderia contar, ou guardar apenas para mim.

Rômulo Maciel de Moraes Filho
Enviado por Rômulo Maciel de Moraes Filho em 05/06/2017
Código do texto: T6019175
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