Reflexões

7

Junho já se encaminhava pro seu fim e eu não tinha conseguido muitas respostas para as questões existenciais que 2017 tinha trazido à minha mesa. Na verdade o ano passou e eu não sai do lugar. Não tinha feito nada de muito útil, além de descobrir que eu tinha sido feito de idiota por uns dois anos. Talvez o problema seja justamente o fato de eu me repetir nesse assunto com extrema frequência, tanto em meus pensamentos quanto estou fazendo aqui. Eu acordava mais uma vez num domingo de manhã, moído de ressaca. Meu coração estava partido, mas que estava levando a pior mesmo era meu fígado.

Me arrastei e me sentei na beirada da cama. Desliguei o ventilador e fiquei olhando o sol por trás da cortina improvisada que eu tinha feito na janela e que deixava o quarto sempre à meia luz. Eu precisava fazer algo diferente ou ia ficar doido. Havia uma pilha enorme de pratos na pia, poeira no chão e nos móveis e uma boa quantidade de roupas para lavar. Era o drama do jovem adulto moderno. O mundo seguia numa velocidade caótica do lado de fora, com guerras, crises, atentados terroristas, mas o que mais me assustava era mesmo a bagunça da minha casa e a inércia que eu não conseguia expulsar de mim mesmo.

É o tipo da coisa que pouca gente percebe... as crises internas parecem sempre mais trágicas e difíceis de lidar do que as externas, mesmo que nelas você tenha todo o poder de escolha e de transformação.

Amanhã, algum louco poderia explodir um avião, ou lançar uma bomba sobre o país errado e em uma semana o mundo ia estar enfiado numa guerra insana e sem precedentes. Mas eu estava mesmo era preocupado com o buraco no meu coração e minha falta de vontade de cuidar de simples tarefas domésticas.

Peguei meu telefone que jazia no chão, descarregado. Liguei o aparelho na tomada e verifiquei o que tinha perdido na última madrugada de bebedeira.

Havia uma ligação perdida de Clara, e um número enorme de mensagens em grupos de whatsapp supérfluos.

Pensei no que Clara poderia querer falar comigo, já que estávamos relativamente distanciados nas últimas semanas, por minha própria escolha.

Resolvi ligar para ela.

O aparelho tocou duas vezes e ela atendeu com uma voz sonolenta.

- Oi, poeta, boa tarde.

- Boa tarde, amarela. Você me ligou.

- Liguei sim. Quis saber como você estava.

- Tô na mesma, acho. – Respondi lacônicamente e claramente desanimado.

- Dá pra perceber.

- Não, eu to até melhor, na verdade. Mas você sabe. Domingos sempre me derrubam. Questão de costume.

- Sei exatamente do que você tá falado.

- Você tá chateada comigo?

- Não estou. Só me perguntei o motivo do sumiço.

- É, eu sei. Não foi nada demais. Nada que eu consiga explicar.

- Não sei se você é doido ou só complicado mesmo, poeta.

- Acho que a resposta mais precisa seria que eu sou as duas coisas.

Clara riu do outro lado da linha e eu pude ouvir além de sua risada o barulho de crianças e outras pessoas falando. O que contrastava com o silêncio do meu quarto.

- Olha. Você quer tomar um café comigo essa semana – Disse-me.

- Eu aceito. Só diz o dia e o horário que você pode.

- Acho que quarta ou quinta. No fim da tarde antes de eu ir pra faculdade.

- Fechado.

- Então tá bom. Fica bem e não some mais.

- Não posso prometer, mas vou tentar.

Clara riu de novo, se despediu e desligou o telefone.

Larguei o aparelho de lado e voltei para a sala.

Encarei a pilha de pratos sujos e depois abri a geladeira.

Tirei uma Maçã e tasquei-lhe uma mordida.

sentei no chão e ponderei sobre o que eu estava fazendo com minha vida.

A vida profissional era um desânimo só, minha vida amorosa parecia uma história de horror. Minha família era uma completa insanidade, totalmente virada de cabeça para baixo. Eu estava amargando de tanto fatalismo e nem sequer tomava uma atitude para reverter as situações que eu tinha poder de escolha.

Não ia poder beber e fumar os meus problemas, ou esquecê-los no meio das pernas de mulheres que apareciam randomicamente na minha vida.

Claro que eu conseguia viver momentos realmente interessantes e sentimentos genuínos à partir disso tudo e que de alguma forma eu sentia até prazer durante um tempo. Mas no fim, eu sempre estava só aos domingos.

Pensei em Stefanie. Como estaria sendo o domingo dela, com muito mais responsabilidades e obrigações. Me perguntei sob com que frequência ela pensaria em mim e por quanto tempo eu estaria em sua cabeça.

Pensei em Clara, com toda aquela energia e boas intenções, mas ainda assim, tão perdida quanto eu. Pensei em Tamy, que tinha sumido no mundo tão subitamente quanto tinha aparecido.

Me questionei sobre a transitoriedade das minhas crises existenciais e que talvez a atual fosse a pior de todas pelas quais eu já havia passado. Me perguntei sobre que sabedoria eu poderia extrair daquilo tudo e se eu ia sair dessa como uma pessoa diferente.

A resposta não estava com Stefanie, com Clara ou com Tamy. A resposta não estava nos pratos por lavar, na pilha de roupas, ou no meu trabalho.

A resposta não estava nas minhas bebedeiras, nem nas distrações que eu procurava no dia à dia.

A resposta estava dentro. Tão profundamente entranhada em mim mesmo que eu à sentia fora do meu alcance. Eu ia chegar lá, só precisava mudar a metodologia.

Afinal, eu já não tinha tanto tempo pra perder quanto tinha aos vinte e poucos.

Terminei a maçã, e fui aos pratos, depois às roupas e então varri o chão. Passei pano, lavei o banheiro, joguei o lixo do lado de fora.

Organizei meus livros, juntei minhas cartas e versos que estavam espalhados pelo quarto.

Por fim, tomei um banho frio e me vesti.

Já era quase noite, e a chuva fina que caía levantava um adocicado cheiro de terra molhada.

Eu sabia o que precisava fazer. Não era uma questão de como, mas de quando eu ia começar.

Puxei o computador para o meu colo e abri o editor de texto.

Palavra por palavra, fui jogando na tela meus pensamentos e minhas loucuras. Meus amores, frustrações e ansiedades. Não era pouca coisa,

mas uma hora ou outra eu ia chegar lá.

Talvez escrevendo eu pudesse dar um sentido a tudo o que me estava acontecendo.

Rômulo Maciel de Moraes Filho
Enviado por Rômulo Maciel de Moraes Filho em 05/06/2017
Código do texto: T6018551
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2017. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.