A verdade na cara

Nada mais teria significado para Ângela se Sarita não fosse a filha, sua única filha, que lhe trouxesse todas as aptidões e, por consequência, todas as recompensas positivas que a sua própria vida não lhe trouxera. Sempre fora uma pessoa considerada na média.

Na imensa casa na qual moravam, no escritório, Ângela acompanhava Sarita nos deveres da escola. Ao lado da mesa de trabalho, uma enorme estante abrigava as melhores enciclopédias e um número sem fim de livros de todas as espécies. Na mesa, a melhor tecnologia à disposição de Sarita. Nada faltava, diariamente, para que a menina, então com 14 anos, cumprisse com maestria tudo o que lhe era solicitado na escola.

Após um toque na porta e a permissão de Ângela, a empregada da casa entra no escritório e a comunica que a Diretora da Escola acabara de ligar para convocá-la para uma reunião no dia posterior, às 09h, na Sala de Orientação para o Aluno, na própria escola.

Imediatamente Ângela fitou Sarita e questionou-a sobre o quê poderia ter acontecido para tal convocação. Sarita, sem tirar os olhos do caderno, respondeu em alto tom que desconhecia. Aproveitou para pedir para a mãe sair do escritório, porque pretendia finalizar as tarefas o mais rápido possível a fim de encontrar-se com os amigos no shopping. Ângela, um tanto atônita, saiu da sala e dirigiu-se para a cozinha. Lá sentou-se à mesa e pediu para a empregada servir-lhe um chá e acalmou-se. Por que pensar que poderia ser um problema se sua filha sempre fora uma das melhores da turma? Se a sua educação fora exemplar aos seus olhos? Se as suas amigas eram de famílias conhecidas de Ângela? Por que tanto medo? Medo, muito medo do que viria pela frente.

No dia seguinte, no horário marcado, Ângela chegou à escola e foi recebida pela Psicóloga, de nome Jane. A partir desse dia o inferno instaurou-se no coração da mãe zelosa, que até então pensara ter feito tudo para auxiliar sua filha na construção do seu futuro. Jane, em tom calmo, falou: “Infelizmente confirmamos o envolvimento de Sarita com as drogas e, além disso, estamos muito preocupadas com o seu desempenho escolar, com risco de reprovação no final do ano”. Um imenso pavor instaurou-se em Ângela, atônita.

Daquele dia em diante Jane passou a atender Ângela no mínimo uma vez por semana, não por obrigação, mas por ter se identificado demais com o pesadelo que ela estava vivendo. As sessões, geralmente iniciavam de forma tensa mas, com o passar do tempo, era visível a tranquilidade de Ângela, que contava com a condução da conversa com maestria por parte de Jane, uma vez que ela já havia passado por algo parecido. Uma grande cumplicidade começou a se instaurar entre as duas.

Após três meses do ocorrido, em uma noite de sábado, por volta das 24 horas Ângela sentiu a falta da filha. Percorreu a casa, o jardim e os fundos e nada. Sarita, definitivamente havia saído de casa sem avisar. Um pavor tomou conta de Ângela.

Sem saber o que fazer, imediatamente ligou para Jane, que a confortou informando que Sarita poderia estar no aniversário de 15 anos de uma colega, a qual também a havia convidado.

Com o carro na oficina há três dias, Ângela, mesmo com medo, resolveu ligar para Artur, o pai de Sarita, pedindo que ele fosse averiguar se Sarita estava mesmo na festa. Foi quando, tomada por um susto ouviu: “Já está comprovado que não consegues levar de boa forma a condução da educação de nossa filha. Vou assegurá-la comigo, após pedido de guarda.”

A primeira reação de Ângela foi de desespero. Como poderia ele, um homem que de bom pai sempre esteve longe, causar-lhe um mal tão grande com tal ameaça? Pensou em ligar para o seu primo que era advogado. Recuou. Pensou em ligar para sua irmã. Recuou também. Num ímpeto de raiva arrastou a toalha da mesa caindo com ela o seu vaso preferido, presente de sua avó. Descontrolou-se por completo. Dessa forma pegou o telefone e ligou para Artur, não sem antes desligar quando ele atendeu. Decidiu sentar-se na varanda e fazer uma restrospectiva da sua maternidade. Nada fora fácil, iniciando pela gravidez. Sarita nasceu num momento delicado, quando Ângela recém tinha perdido os pais em um acidente de trânsito e o então marido perdido o emprego. De lá para cá muito esforço foi o que levou a situação a um imaginável controle, embora ela sempre tenha sido culpada por Sarita pela separação.

Seria necessário um tempo, um longo tempo para que Ângela colocasse os pensamentos no lugar e extirpasse a raiva que estava sentindo de Artur. Recolheu-se na sua pequena cabana na serra nos dois dias seguintes e emendou-os com um final de semana prolongado por um feriado na segunda feira. Lá conversou muito consigo mesma, caminhou, sentiu o cheiro do verde e da terra molhada, ascendeu a lareira e, tendo as labaredas como companhia, decidiu que explodiria como fogo, buscaria um advogado para defendê-la e manter a sua filha consigo, porque não tinha a mínima ideia para onde iriam as suas palavras não ditas.

Maio.2017

Rosalva
Enviado por Rosalva em 01/06/2017
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