O inevitável fim
Patrícia era mulher bonita, cabelos lisos e sedosos e pele clara. Casou-se cedo com um homem pouco aprovado por todos. Apesar das oportunidades, nunca procurou estudar e, assim que concluiu o segundo grau buscou trabalhos grandiosos demais para o seu padrão, sempre conduzindo-os de forma deturpada. Certa vez chegou a ser preso. Sua família a alertou, assim como seus mais próximos amigos. Mas de nada adiantou.
Depois de ter saído da casa de seus pais na data que definira para casar-se com o homem que mudaria todo o curso da sua vida e da vida de toda a sua família, já no início do casamento viu-se traída inúmeras vezes. As traições eram tão escancaradas e medíocres que passaram a ser comuns naquele mundo que Patrícia construira contra tudo e contra todos. Certa vez sua irmã mais nova falou abertamente para ela que ele havia alugado um apartamento para encontrar-se com a amante da época, quando em casa ele pouco colocava dinheiro. E que tinha provas. Patrícia olhou-a sem escutá-la.
A solidão passou a acompanhá-la de tal forma que ninguém mais queria ver, além das pessoas que convivia na escola na qual lecionava. À noite, numa das piores noites da sua vida, resolveu entrar num chat de bate-papo e lá encontrou João Carlos. Ela sabia que não estava agindo da forma como deveria; mas o desconhecido, naquele momento, era importante. Era preciso adquirir a auto-estima e, verdade ou mentira, João era o homem que procurava para abrandar as suas decepções.
Continuaram se falando por uma semana e a cada contato a afinidade entre os dois ficava mais latente. Vulnerável, Patrícia não demorou a passar os seus dias aguardando o horário de entrar no chat. Sentia que o conhecera há longo tempo e João Carlos, homem vivido, sabia deixá-la em estado inebriado de amor. Eis que ele iniciou o jogo de sedução para conhecê-la pessoalmente. Residiam a 80km de distância e Patrícia não dirigia. Ela em uma cidade pequena e ele na Capital. Patrícia estremeceu. Como encontrá-lo se, para maior segurança, ela precisaria deslocar-se até ele? O jogo estava ficando difícil demais.
Resolveu buscar auxílio junto à sua irmã mais velha, que também residia na Capital. Recém saída de uma relação onde descobriu que o seu ex-marido a traira por três anos e meio, sua irmã entrou em choque. Faria qualquer coisa para auxiliar Patrícia, mas a situação em sí não lhe agradara e, seguindo a sua forma de ser – sempre muito sincera – pediu para ela um tempo para pensar no melhor caminho para ajudá-la. Naquela noite as duas, em cidades distintas, não dormiram.
Na manhã do dia seguinte Patrícia decidiu que, naquele dia, independentemente do que sua irmã pensaria, ela pegaria o primeiro ônibus para a Capital, não sem antes avisar João Carlos. Tinha a sensação de que estava merecendo a aventura. Sim, uma aventura, pois jamais poderia imaginar que conhecer um homem em um chat poderia render alguma relação estável. Mas precisava dar uma guinada na sua vida tão sem graça, com tanto sofrimento, com cenas que não gostava de relembrar, com um homem que não suportava há anos. Não havia mais motivos para aguardar aquilo que já estava decidido.
Chegando na rodoviária, ao longe avistou João Carlos à sua espera. Ele não parecia exatamente como ela o fizera na cabeça. Era baixo, calvo e o sorriso parecia forçado. Mesmo assim o abraço foi longo aliado à tensão imensa. Ela respirou fundo e seguiu seu instinto. Seria um dia diferente e já estava absorvido quando da decisão.
Foram para o apartamento dele e lá, contrariando todas as suas expectativas, sentiu-se muito bem, embora fosse um ambiente totalmente diferente do que ela sempre tivera. Conversaram muito, colocaram suas vidas em dia, riram e choraram. Na verdade os dois estavam suscetíveis, infelizes, e o encontro fora providencial. Sem sombra de dúvidas João Carlos vivia num mundo muito diferente do seu, até mesmo os seus gostos eram demasiadamente distintos e isso ficou claro quando ele a questionou: “qual tipo de vinho você prefere?”
Mas, infelizmente, após aquele dia e aquela noite de amor, sua consciência alertou-a de que o que fizera não condizia com os seus princípios. Que a paixão não a levaria a nada, já que as chances de ela mudar de vida eram mínimas. O arrependimento a sufocou no retorno à casa. Na rodoviária quase perdeu o ônibus. Entrando nele tirou um livro da bolsa de mão e não conseguiu ler uma palavra sequer e, para finalizar, o celular tocou e, no outro lado da linha era seu filho que, na breve conversa, percebeu que a mãe não estava bem.
Patrícia tentou disfarçar e alegou uma pequena dor de cabeça. Pediu que o filho a esperasse na rodoviária. Lá chegando abraçou-o com o carinho de uma mãe extremosa e pediu que ele a levasse na casa da sua mãe. Sem entender mas sem questionar, ele a deixou no local. Ao ver Dona Firmina Patrícia entendeu que ela era, naquele momento, o barco mais perfeito para ela navegar. Ela tinha ouvidos, compreensão e amor redobrado de mãe.
Após tomar conhecimento de tudo, Dona Firmina, com voz firme falou: “filha, nunca ousei meter-me na tua vida. Fizeste as tuas escolhas, mas há muitos anos ti vejo infeliz. O que aconteceu prova que estás infeliz. Ti entendo e sempre ti apoiarei, mas vou ti pedir que tomes uma decisão por ti, pelos teus filhos e por mim, independentemente de teres ou não ilusão de ficares com esse moço.” Patrícia chorou, pediu para ficar na casa na mãe naquela noite e de lá não saiu mais até construir uma pequena casa, onde se abrigou sozinha, sem os filhos que casaram logo depois e sem João Carlos, que nunca mais manteve contato. Serenou.
Maio.2017