O peso da mentira
Na sua infância, Inês tinha como personagem favorita na TV: a Jeannie é um Gênio. Era protagonista de um seriado transmitido às tardes. Tinha cabelos louros muito bem penteados e um ar de moleca, embora já fosse um mulher. Tinha o poder de mentalizar, unir os braços, fazer um sinal com a cabeça e fazer acontecer o que quisesse.
Na faculdade, na prova de Matemática Financeira, como sempre, lá estava Inês com as mãos na cabeça e o cérebro embaralhado de tantos números, não conseguindo dar um ponto de partida na cadeira que menor nota ela sempre tirava.
O pânico era tanto que ela resolveu “desligar-se” daquele momento e retornar o seu pensamento aos seus anos dourados. Fechou os olhos e viu a Jeannie é um Gênio entrando na sala de aula com o seu lenço branco esvoaçante envolto à cabeça.
Já madura, sentiu-se envergonhada com a sua infantilidade ao imaginar que uma Gênia a auxiliaria naquele momento. Mais envergonhada ficou porque teve tempo para estudar e porque também sua melhor amiga havia oferecido algumas aulas particulares. Na verdade, a fantasia se sobrepôs à realidade, ou melhor: a fantasia caiu como uma luva naquele momento.
Inesperadamente sentiu um cutucar nas suas costas. Virou-se discretamente e percebeu uma piscada de olhos por parte de Rodolfo, seu colega, uma fera em ciências exatas. Sorrateiramente Rodolfo passou-lhe às mãos um pedaço de papel muito pequeno com o gabarito.
Em pânico, e ao mesmo tempo da forma mais discreta possível, Inês transcreveu o gabarito para a folha de respostas, assinou a prova e saiu apressada da sala de aula, sem ao menos agradecer, mesmo com um olhar, o seu colega.
Como não estava habituada a tal atitude, Inês sentiu-se mal no restante do dia. Não conseguia entender como tivera coragem de ludibriar a professora, a escola e ela mesma. Lembrou-se da aversão que tinha por Felipe, seu colega de classe no ano anterior que era conhecido por tirar vantagem nas provas. Vangloriava-se tão solenemente que, para ela, foi se transformando em um palhaço sem caráter...
Em conversa com sua melhor amiga sentiu-se um tanto aliviada, já que a mesma costumava valer-se de tais “colas” seguidamente e garantiu que nada a aconteceria, a não ser passar na prova e finalizar o Ensino Médio.
Um mês depois, num dia qualquer, ao acordar e encontrar-se com a família para o café da manhã ouviu de seu pai o que há muito estava aguardando: “Filha, saiu o edital para o Concurso para o Banco do Brasil e, como foste tão bem nas últimas provas, certamente terás grandes chances.” Inês emudeceu, baixou a cabeça e perdeu a fome. Sem perceber o pai, visando incentivá-la falou: “tenho um grande amigo que o filho passou no último concurso”. Pedirei a ele a prova e ficarei com o gabarito. Terás um bom tempo para fazê-la e, à noite, passaremos o gabarito juntos, pode ser?”. “Claro pai”, respondeu Inês sem olhar nos seus olhos. A promessa foi cumprida e, após o almoço ela iniciou, com extremo nervosismo, o preenchimento da prova, não sem antes seu pai retirar o seu computador e celular. À noite, para espanto do pai, ela não conseguiu resolver 30% das questões.
Foi então que o pai chamou-lhe no escritório para entender o que havia ocorrido. “Uma discrepância” bradou o pai. Inês, com as mãos na cabeça como se estivesse fazendo uma prova respondeu: “Eu não estou bem hoje pai. Passei o dia com dor no estômago e mal pude olhar o material”. O pai silenciou, saiu do escritório e em pouco tempo retornou dizendo: “Então peça um remédio para sua mãe para ficares melhor e ti interessares por algo que pode valer o teu futuro”. Foi então que Inês começou a chorar baixinho, envergonhada do que fizera. Sabia do quanto o decepcionaria se contasse a verdade.
Terminou o dia mal. Sabia que precisava desabafar, sob pena de explodir de tanto arrependimento. Não fora criada para esse tipo de atitude. Foi então que procurou a avó paterna, contou tudo e, de forma extremamente terna, foi “absolvida”. Na sua cabeça a atitude amenizou o que estava sentindo mas, por outro lado, ainda restaram resquícios das palavras que deveria ter dito a seu pai.
Maio.2017