fumando cigarro e bebendo café ruim
Levantei. Seis e trinta. Bebi a primeira cerveja do dia. Fui a varanda. Ascendi um cigarro e depois outro e outro. Bebi o café de ontem de tarde e voltei a dormir.
Sonhei com uma nova conhecida. A gente se beijava calorosamente num banco de praça e eu perguntava:
- Seus olhos não eram verdes?
O sonho acaba e eu volto a minha dura, ociosa e discreta existência.
Ascendo mais um cigarro enquanto preparo um novo café.
Alguém bate na porta.
- Pode entrar - eu falo - a porta está aberta.
Durmo de porta aberta. Foda-se os assassinos e os ladrões.
A porta se abre e lá esta ela a minha frente, a dona de maus sonhos.
- O que faz aqui a essa hora? - olhei discretamente pro relogio que fica em cima da porta, já eram duas e quarenta da tarde.
- Sonhei com você.
Não acredito em significados maiores, a vida é só isso e nada mais. De qualquer forma respondi:
- Eu também sonhei contigo. Tu me beijava num banco de praça.
- No meu sonho tu morria.
Ela veio e me abraçou. Olhei pro fogãozinho velho, a água já tava boa pro café.
- Um instante - eu disse saindo do abraço.
Preparei o café e ela se sentou na mesinha que ficava no meio daquele pequeno quarto, sim eu morava num quarto. Coloquei o café na mesa e peguei duas xícaras,café na dela, café na minha. Dei o primeiro gole e a ofereci cigarro.
- Não fumo - ela disse e deu seu primeiro gole.
Observei ela cuspir no chão e fazer uma cara feia. Disse:
- Que merda de café ruim do caralho.
- Porra, eu tô pra morrer esqueceu?
- Isso não faz que o café fique melhor - e riu.
Bebi o café. Tava ruim pra porra, mas eu já tava acostumado com aquilo.
- Vou fazer uma porra de café que preste - ela disse se levantando.
Pegou a garrafa e foi até a piazinha. Derramou tudo. Lavou a panela.
- Num tem fogo nessa joça não?!
- Ta aqui oh - eu disse estendendo a mãe pra ela com um isqueiro preto na mão.
Ligou o fogão e esperou a água ferver. Nesse meio tempo não trocamos uma palavra se quer, eu só fumava cigarro e bebia o café ruim que tava na minha xícara e só ela preparava o café.
Quando terminou trouxe pra mesa e serviu pra nós dois, eu já tinha terminado o meu. Ela sentou e ficou me olhando fuma.
- O que? - perguntei depois de um tempo.
- Bebi aí e diz o que achou.
Dei um gole e não senti diferença.
- Não senti diferença - eu disse.
- Porra. Deve ser porque o gosto do antigo ainda tá na tua língua ou porque tu é um insensível mesmo.
Tirou os olhos de mim e deu um gole. Cuspiu no chão e fez cara feia.
- Que merda de café - ela disse.
- Deve ser porque tu tá com o gosto do antigo na língua ou tu é uma insensível mesmo.
- Vai a merda.
Fiquei ali bebendo e fumando e ela só olhava os meus quadros expressionistas que estavam em todas as paredes de meu quarto.
- O que aquele ali quer dizer? - perguntou.
- Sei lá - eu disse - Deve ser alguma coisa de amor, talvez... O que você sente olhando.
- Só acho bonito.
Ficamos olhando pra ele. Eu não sentia nada e acho que ela também não. Só era legal na hora de pintar, depois meus quadros se transformavam em sei lá o que.
- Quem vai limpar essa sujeira? - perguntei.
- Tu.
- Que tal um jogo de cartas? Quem perder limpa.
- Tá valendo.
Girei meu corpo pra trás ainda sentado na cadeira e abri o guarda-roupa. O baralho tava em cima de uns livros. Pegue. Fechei a porta velha de madeira e me virei pra ela.
- Melhor de três - eu disse.
- Só uma mesmo, já já vou embora.
Embaralhei, distribui as cartas e começamos o jogo. Eu já vim com uma trinca.
- Sabia que eu sempre quis ser jogador de poker profissional - eu disse jogando.
- Sabia que eu nunca aprendi a jogar poker.
- Sabia que eu sempre quis ser caminhoneiro.
- Por quê? - ela perguntou olhando as cartas, não parecia interpresada realmente.
- Sei lá.
Continuamos jogando e o tempo parecia parado naquela tarde.
- Isso aqui tá um saco - eu disse.
- Concordo - jogou as cartas na mesa - Você limpa.
- Quer um cigarro - perguntei.
- Só um.
Dei o cigarro pra ela e ficamos fumando.
Coloquei aquele café ruim na minha xícara.
- Bota aqui também - ela disse.
Enchi o copo dela e ficamos ali: fumando cigarro e bebendo café ruim.