MANDRAKE

MANDRAKE

Os olhos daquele estranho chamaram a minha atenção. Parecia um mago hipnotizador. Chegou sem cumprimentar ninguém e sentou-se diante do balcão elegantemente. Sua figura destoava do ambiente, o modesto bar da Terezinha, reduto de cinqüentões aposentados nos fins de tarde. Estava vestido com um costume escuro, bem cortado, roupa de alfaiate ou de grife, camisa de seda, sem gravata, sapatos lustrosos de bico fino. Cabelos negros lisos, bem penteados para trás e repartidos no meio, com muita brilhantina.

- Um scotch com uma pedra de gelo, por favor.

- Aqui só temos nacional.

Levantou e dirigiu-se para a nossa mesa.

- Os senhores poderiam me indicar um aperitivo, por favor?

Respondi: - uma cachacinha de Minas, lá da região de Salinas, é a melhor do Brasil. O Helinho acrescentou: - e uma cervejinha bem gelada por cima.

Boteco é o melhor lugar do mundo para se fazer amizades. Depois de alguns tragos, tudo fica dourado. A língua destrava e todo mundo gosta de todo mundo. É grande terapia para o stress da vida moderna. Certa vez confessei ao meu médico: - doutor, toda tarde eu tomo uma branquinha e uma cerveja. Ele, profissionalmente, determinou: - Continua! a cachaça é vaso dilatador. A cerveja é diurética. Ótimo para controlar a pressão arterial. Além disso, o bate-papo com os amigos relaxa. – é o melhor médico do mundo.

O estranho voltou ao balcão e seguiu o nosso conselho.

Nisso chegou o resto da nossa turma e o Hugo, com seu violão. A cantoria e as piadas se sucedendo. O estranho, de seu canto, sorria apreciando. De repente se levantou e chegou até nós.

- Gostei dessa turma. Se os senhores me permitem, a conta é minha. Infelizmente tenho que sair, compromissos... mas vou freqüentar esta casa.

Agradecemos e o estranho se despediu. Logo que saiu, o Hugo deu o apelido: - Mandrake! Ele é a cara do Mandrake!

***

No dia seguinte lá estava o Mandrake. Agora já íntimo da turma. Chegou num carrão importado, daqueles que a gente nem tem o direito de sonhar em ter. Disse que era investidor e que estava interessado na região. Estava ganhando fortunas na bolsa. E freqüentou a roda a semana inteira. Na sexta-feira nos convidou: - gostaria que os senhores almoçassem comigo amanhã. – disse onde estava hospedado, era o melhor hotel da cidade. Um cinco estrelas em que nunca imaginamos por os pés.

Recebeu-nos no bar. De aperitivo, scotch e vinhos importados. Para beliscar, uns patês, que depois fiquei sabendo que era caviar. Não apreciei. Prefiro o torresmo ou a lingüiça frita lá da Terezinha. Mas tudo muito chique. Saladas de entrada, peixe assado de prato principal, frutas e sorvete de sobremesa. Tudo regado a vinho branco francês. O Mandrake estava gastando uma nota preta com a nossa turma. Deve ter gostado muito da gente.

***

Trabalho desde os dez anos de idade. De início, como mensageiro em hotel de luxo. Depois, como ajudante de garçom, escrevente de cartório e, finalmente, depois de muito esforço, me tornei advogado. Consegui amealhar pequena fortuna, suficiente para garantir a velhice e pagar os estudos dos filhos. Da renda dos investimentos, acrescida do valor humilhante da aposentadoria, mais algumas poucas causas, consigo viver relativamente bem. De forma modesta, é claro. Se nada falta, também nada sobra. O mesmo se pode dizer dos integrantes da turma.

Agora estávamos fascinados com o Mandrake.

Ele nos explicou: - a gente tem que saber onde aplicar. É um jogo. Eu nunca perco nesse jogo. Se a gente deixa o dinheiro no banco, quem enriquece é banqueiro. O certo é aplicar na bolsa. Mas tem que saber onde e quando aplicar. Quando comprar e vender as ações. E passou a nos dar aulas de investimentos.

***

A iniciativa foi nossa: - Gostaríamos de investir na bolsa. Sabe como é... a poupança está cada vez mais em baixa.

Seus olhos faiscaram: - alimentos. O futuro está nos alimentos. Posso comprar para os senhores ações da indústria da soja, do boi gordo, de frigoríficos... café agora está em baixa, bom para comprar. Se os senhores quiserem, estou às ordens. – E se despediu.

***

Já não estávamos tão alegres como éramos. A cobiça foi nossa companheira naquela tarde.

- Sei não! A poupança é pequena mas é certa. Tem outros fundos também... tudo porcaria...

- E a gente conhece o Mandrake há pouco tempo. Será que a gente pode confiar?

- Sei lá! Mas quem não arrisca, não petisca.

- Veja aqui! A gente toda fodida e por que? Porque nunca arriscamos. Somos acomodados. Todo mundo ficando rico e a gente na mesma.

Nossa felicidade vespertina estava afundando.

Nós mesmos é quem decidimos. Isto depois do Mandrake alugar uma van e nos levar para conhecer algumas indústrias e fazendas que ele tinha a certeza de que iriam estourar na bolsa. Todas se preparando para exportações. O mundo precisando de alimentos. Não havia erro. Eram empresas em fase de desenvolvimento, de expansão... quadruplicariam o capital e o valor das ações. Negócio sem risco.

Ele não pediu. Nós é quem reunimos todas as nossas economias e entregamos em suas mãos.

- Parabéns, senhores! Futuros milionários.

E sumiu.

Meses e meses passaram, e nada do Mandrake. Otários apalermados, vítimas de um vigarista, nós entramos em desespero. Já não era mais possível o happy hour. Apenas choro e lamentações. Sequer o Hugo levava o seu violão.

***

Mais de ano passou. Eu o vi saindo do hotel e entrando em seu carro. Não pensei em nada. Girei nos calcanhares e, em casa, apanhei o revólver. Não enxergava nada pela frente. Uma névoa vermelha diante de meus olhos. Os ouvidos zunindo. Entrei no hotel e esperei.... esperei.... pedi um uísque... outro... e mais outro... ele chegou... não dei tempo. Atirei.

***

Não o matei. Sorte que nunca soube atirar. Apenas o feri de raspão. Agora estava sendo processado por tentativa de homicídio. Não fiquei preso. Meu diploma universitário e bons antecedentes permitiram responder ao processo em liberdade. Mas fui internado em hospital, vítima de um AVC. Meu lado esquerdo todo paralisado. Dizem os médicos que, com fisioterapia e tratamento adequado, é possível a recuperação.

Mandrake veio me visitar. Fixou seus olhos brilhantes nos meus. Sem qualquer emoção, simplesmente disse: - Seu idiota! Eu disse que a coisa era demorada. Vim trazer o seu dinheiro. – E entregou-me um cheque visado, de valor cinco vezes maior ao que eu investira.

A.L.FONTELA

antonio luiz fontela
Enviado por antonio luiz fontela em 25/05/2017
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