O tal palhaço

O circo chega em minha cidade, todos estão felizes e ansiosos para o grande show, por onde eu passo o assunto é esse nas ruas. Adultos, crianças e idosos, todos comentando, querendo ver o show do tal palhaço.

Ele é alegre, a senhora da esquina disse!

Ele faz ótimas piadas, as crianças comentaram!

Então até eu me animei, resolvi ir ao show também, me deleitar de tal habilidade com o público e rir um pouco, como minha mãe sempre disse, um belo sorriso sempre alegra os mais próximos.

Chegando em casa, contei para meus pais que iria no circo ver a grande apresentação do palhaço tão falado, minha mãe sorriu, secou as mãos com o pano de prato amarelado e logo virou o rosto, meu pai mal me olhou, ajeitou o bigode com a ponta da língua, passou a folha do jornal para a esquerda e continuou sua leitura, eu não me importei com a falta de interesse deles, subi correndo para o meu quarto, queria separar minha melhor roupa, os sapatos mais reluzentes e ajeitar meu cabelo, o show começava em algumas horas.

Por fim a hora se aproximava rapidamente, desci minhas escadas e meus pais me olhavam diferente, de uma forma triste e piedosa, eles sempre foram estranhos, talvez eu fosse feliz demais perto deles e isso os incomodasse, mas não importa, a hora está chegando e lá vou eu.

A caminho da grande tenda que se encontrava no parque central, as pessoas me olhavam e falavam comigo, eu nunca tinha avistado tais pessoas, achei completamente estranho aquele tipo de comportamento, mas acenei de volta e sorri, brinquei com algumas crianças, estavam todos felizes, eu estava entendendo agora, o circo tinha deixado a cidade em estado de pura felicidade, e isso era ótimo.

Estava na hora, o lugar estava lindo, pessoas ainda me cumprimentavam mexendo suas cabeças, e eu educadamente as cumprimentava de volta. Agora na frente da entrada percebi que tinha esquecido ou perdido meu bilhete fiquei desesperado, mas o segurança sorriu para mim e disse, entre por trás, vá logo, está quase na hora, e eu fui.

Entrei lentamente por trás, com medo de que me barrassem, mas tudo estava indo bem, os membros do circo já estavam no palco, se apresentando um a um, olhei cada local, instrumentos de trabalho de cada pessoa, aquilo me deixou mais animado para o show, mas o palhaço não estava lá, e eu queria cumprimenta-lo, então percebi que não tinha passagem alguma para as arquibancadas, teria que assistir tudo de dentro do camarim, que não era uma má ideia, quando estava ajeitando uma cadeira um senhor de idade entrou e disse que eu poderia ir ao picadeiro, eu fiquei completamente feliz e saltitante, fui me olhar no espelho para arrumar meu cabelo e...

A verdade estava lá, o tempo todo, pessoas sorrindo e me cumprimentando, meus pais tristes e indiferentes, crianças brincando comigo e me dando as mãos, o porquê da demora para me arrumar, o porquê de não me barrarem na entrada sem o ingresso, todos tinham me reconhecido num momento que nem eu mesmo sabia quem eu era.

Meu coração acelerou, minhas mãos ficaram tremulas, e em seguida senti algo pressionando meu bolso esquerdo, desci minha mão vagarosamente até ele, e com meus dedos trouxe algo macio e airado, levei a mão esquerda ao rosto, olhei para o espelho, retoquei algumas partes borradas, respirei fortemente, ajeitei meu chapéu e caminhei até a entrada, levantei a cabeça e dei o passo mais importante em direção ao picadeiro, dei um belo sorriso, e pensei “um belo sorriso sempre alegra os mais próximos, afinal, eu sou o tal palhaço.