1006-O ADEUS DE VOVÓ BIA À FAZENDA PALMITAL
Todos os anos Vovó Bia trocava, por trinta e poucos dias, a tranquilidade da Fazenda Palmital pela vida um pouco menos sossegada da casa do irmão Chico, na rua principal da cidade. Acontecia durante o mês de Maio, quando ela ia todas as noites à capela do colégio Paula Frassinetti. Lá, durante o mês de Maria, das sete às oito da noite, as irmãs, as alunas internas e os fiéis rezavam o terço e havia a benção do Santíssimo. Era o único tempo em que ela freqüentava a igreja, pois morava na Fazenda Palmital e só vinha à cidade para esta devoção mensal. Nem mesmo na Semana Santa ela se abalava da fazenda.
Naquele ano de 1942, entretanto, foi diferente. Dona Beatriz chegou numa manhã clara de sábado. No Chevrolet “Tigre”, o pequeno caminhão da fazenda, vinha na cabine com o filho Alpineu e algumas malas e baús amarrados na carroceria. Chegava para ficar morando na grande casa do irmão. Entre fiapos de conversas, o neto Toniquinho ficou sabendo que ela não estava bem de saúde e precisava consultar médico receber tratamento cuidadoso.
Um quarto já estava preparado para ela, com janelas abrindo-se para receber o sol das manhãs; suas roupas foram dependuradas no guarda-roupa e os sapatos guardados na pequena sapateira que papai havia feito especialmente para ela. Trouxera um tapete retangular, cujo centro era de finas tiras de taquara entrelaçadas, fazendo figurinhas estranhas e com uma faixa de tricô ao redor. Como era grande demais para o quarto, foi estendido na sala de visitas. Um elemento destoante Ficou muito estranho, pois a mobília daquela sala era de cadeiras, sofás e poltronas de pés torneados, com encostos e assentos de palhinha.
Com o correr dos dias e semana, Vovó Bia não dava mostras de estar fraca ou doentia. Andava pela casa, por vezes procurava ajudar nas lides da cozinha, sabia fazer deliciosas quitandas de fubá. Gostava de conversar com todos: com as filhas Maria e Carolina, com Armando, o filho, com Pedro, o genro, com o irmão Francisco (que ela chamava de Francesco), quando este saía da loja e vinha almoçar na cozinha. E com os netos, Toniquinho e Arthur.
Nas tardes quentes, sentava-se à sombra da grande parreira que cobria o pátio interno, cestinho de linhas no colo, a ampla saia comprida que lhe descia até os pés. Fazia toalhas de crochê e peças de vestuário de lãs.
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Para os netos, uma novidade que lhes iria render horas e horas de prazer, ouvindo as histórias que gostava de contar. Na primeira semana a idosa senhora estabeleceu que todas as noites contaria histórias para os garotos, e assim, nem bem acabavam de jantar, eles iam para a sala onde esperavam a chegada da avozinha. Por ordem dela, eles enrolavam o tapete e o encostavam a uma parede da sala. A cuidadosa senhora não desejava assustar os dois garotos com a magia do tapete, que os levaria através do tempo e do espaço.
Durante algumas semanas Vovó Bia repassou as histórias que havia narrado aos netos Dorinha, Tavinho e Carlinhos, na Fazenda Palmital. Até que um dia Armando trouxe uma revista chamada “O Tico-Tico”.
Armando era filho de Dona Beatriz. Solteirão, alfaiate por profissão, morava na grade casa do tio Chico. Alegre, parecia estar sempre de bem com a vida. Muito dedicado a todos, tratava com especial cuidado de Dona Beatriz, levando-a para consulta médicas e providenciando os remédios. Era muito querido na família devido à atenção de que dava a todos. Estimado também por uma legião de amigos, gostava de proporcionar pequenas alegrias, tal qual a revista que trouxera para os sobrinhos.
O TICO-TICO era a primeira revista somente para crianças, com histórias em quadrinhos e textos curtos alusivos às datas comemorativas na semana; biografias de personagens importantes do Brasil, cartas-enigmáticas e um incontáveis informações. Capa, contracapa e mais quatro páginas internas coloridas, era uma revista variada e desejada por qualquer garoto ou garota da época.
Quando abriram a revista tanto a doce avozinha como os netos ficaram fascinados. E a partir de então, a curiosa Vovó Bia iria adotar a revista como inspiração para suas narrativas.
A partir daquele dia, Vovó Beatriz, Tuniquinho e Arthur iriam viver aventuras fantásticas.
ANTONIO ROQUE GOBBO
Belo Horizonte, 24 de abril de 2017.
Conto # 1005 da Série 1.OOO HISTÓRIAS