Escadas

2

Lá estava eu, subindo as escadas, com meus passos de jovem velho.

E quanto mais eu subia, mais degraus surgiam em minha frente.

Estava tudo escuro, eu via muito pouco do que havia adiante, mas algo me dizia pra continuar, um passo de cada vez. Gotas de suor escorriam da minha testa para os meus olhos, mas nem o ardor me fazia parar. Porque eu estava ali? Nem eu sabia.

Comecei a correr... mas os lances continuaram a se suceder e nenhum sinal de que eu estava perto do topo.

O tempo parecia congelado. Podia estar ali há horas... ou talvez fossem apenas minutos. Realmente eu não fazia ideia.

Meu coração parecia que ia estourar, as pernas ardiam, o ar fugia dos pulmões,

mas eu corria, pulava dois degraus de cada vez, me lançava cegamente na escuridão.

Desabei, enfim, rolando escada abaixo. Me desesperei por todo o progresso perdido.

Procurei um corrimão, mas não havia paredes ao meu redor. Eu estava caindo no ar, num abismo de piche e frio.

Acordei assustado. Era como se eu tivesse saído de um estado de quase morte.

A mulher do meu lado sequer percebeu. Continuou roncando, completamente despida, de barriga para cima.

Tateei pelo quarto em busca do meu celular. Usei o aparelho para iluminar meu caminho até o banheiro. Não queria perturbar minha companhia da noite. Sabe lá se tornaríamos a nos ver, mas ela dormia de um jeito que quase me invejava. Era como se nada lhe pesasse na consciência, nada lhe afligisse... era o sono fácil de uma criança. Coisa que eu não tinha desde a adolescência.

Fui até o banheiro e dei uma boa mijada. Baixei a tampa, dei descarga e me sentei sobre o vaso. Ainda me sentia perturbado pelo sonho. Eu tinha horror desses pesadelos misteriosos que de vez em quando me assombravam. Devia haver algum significado por trás daquilo tudo. Eu só era burro, ou cabeça dura demais para entender.

Desisti, quando vi que não chegaria a lugar nenhum. Lavei minhas mãos e fui para a sala.

Minhas duas gatas dormiam no sofá e eu decidi não incomoda-las.

Peguei uma cerveja na geladeira, sentei-me no chão e me pus a enrolar um baseado.

Talvez eu precisasse de um estado alterado de consciência para entender o que estava me acontecendo.

Era quase vergonhoso. Um homem de trinta e um anos, que não consegue botar a própria vida nos eixos. De alguma forma eu vivia ainda como se tivesse vinte e poucos e a vida não passasse de uma sucessão de bebedeiras, ressacas e noites sem dormir. Além das contas a pagar e das mulheres que iam e vinham virando tudo de cabeça pra baixo.

Acendi o cigarro e resolvi deixar esses pensamentos de lado. Depois do primeiro trago, tudo parecia mais simples. A cerveja também facilitava o processo, apesar de contribuir para a minha barriga cada vez mais protuberante. Não que eu fosse atraente quando era mais magro, mas eu tinha certeza que a pança não ia ajudar trazer mulheres para minha cama. Ou mesmo para encontrar a que ia tornar isso tudo irrelevante.

Como um romântico quase que idiota, eu sempre estava esperando por algo permanente com uma mulher. Eu nunca entrava num relacionamento se não achasse que a minha parceira pudesse ser a mãe dos meus filhos, ou a mulher com quem eu seguiria pelo resto dos meus dias. Talvez por isso eu me desse tão mal nessa área.

No terceiro trago, eu ouvi passos vindos do quarto.

Tamy, a moça com quem tinha dividido a noite sentou-se do meu lado.

Pegou a lata de cerveja e tomou um gole. Ela não disse nada, só encostou a cabeça no meu ombro e esperou que eu lhe passasse o baseado.

Ela deu um trago e soprou a fumaça, quase que sensualmente.

Estávamos os dois completamente nus, as 2:10 da madrugada. Eu a conhecia apenas por algumas horas. A fluidez da nossa época permitia esses arranjos casuais, e sinceramente, eu nunca sabia o que esperar deles.

- Eu quero que você saiba que me diverti muito hoje. –Disse-me.

- Fico feliz por isso.

Tamy sorriu e me passou o baseado.

- Você tem um sono muito inquieto.

- Acho que sim. Não tenho dormido muito bem.

- É por que você é daqueles tipos de caras que pensam demais.

- Você acertou nisso sobre mim.

- Acho que quanto mais a gente tem consciência das coisas, menos conseguimos dormir.

- Tem muita coisa que me tira o sono. É um dos motivos pelos quais eu não tenho uma televisão.

Tamy ficou me encarando por um tempo, como se eu fosse uma pessoa de outro mundo, e tomou mais um gole de cerveja.

- Para de pensar e volta pra a cama comigo.

- Deixa eu terminar de fumar.

Fumamos e esvaziamos a lata de cerveja e Tamy se pôs de pé. Seu corpo era maravilhoso. Tudo no lugar e nas devidas proporções. Tinha algumas tatuagens e uma cicatriz, que parecia ter sido por uma cirurgia de apendicite, ou algo semelhante. Devia ser uns 10 anos mais jovem do que eu e com bem mais energia do que eu estava acostumado. Ela caminhou até a janela e ficou recostada, olhando para a lua nova que ia surgindo no horizonte, como uma foice amarelada cercada de algumas nuvens. Eu pus meu corpo de encontro ao seu e afundei meu rosto em seu pescoço. Ela suspirou e se virou para me beijar.

Ficamos ali por um bom tempo curtindo o momento e os pensamentos que me angustiavam desde o sonho desapareceram por completo.

Voltamos para o quarto e transamos ainda uma vez antes que eu pegasse no sono.

Quando eu acordei, passava de meio dia, e Tamy havia ido embora.

Deixou um bilhete sobre o computador escrito com caneta vermelha.

Junto com seu número de telefone havia uma curta mensagem.

“Viva mais, pense menos. Obrigado pela noite. Tamy”

Falar é fácil, pensei. Eu era um caso perdido.

Havia uma pia cheia de pratos para lavar e o almoço por fazer. Contas a pagar me esperavam em cima da mesa. Pendências no trabalho, crises familiares e uma solidão quase patológica.

Quis dizer a Tamy que eu estava fazendo o melhor que podia no momento.

Comecei por recolher as latas de cerveja espalhadas pela casa.

Por si só, isso já era um progresso.

Rômulo Maciel de Moraes Filho
Enviado por Rômulo Maciel de Moraes Filho em 29/04/2017
Reeditado em 05/06/2017
Código do texto: T5984618
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