1005-AQUI RESPEITAMOS O VERDE -

Estava a cinco meses nos Estados Unidos, com um visto de permanência por seis meses e preocupava-me com a renovação desta licença. Trabalhava como garçom no Outback, era um bom trabalho que me rendia bastante em gorjetas dadas pelos clientes, além do salário.

Como negro e residente temporário em Chicago, eu tinha o máximo cuidado em me comportar com discrição e corretamente, principalmente ao dirigir. Não deseja de modo algum cometer qualquer irregularidade que pudesse me mandar de volta ao Brasil, deportado.

Certa manhã dirigia por uma via expressa quando ouvi a sirene de um carro de polícia. Pelo espelho retrovisor vi que estava me seguindo e piscava a lanterna direita, sinal de que eu deveria parar no acostamento.

Estava em velocidade permitida, não havia feito nenhuma barbeiragem e obedeci ao comando policial.

Como não havia frequentado classes de inglês, não compreendia o suficiente para entender na integra foi dito pelo policial, após examinar meus documentos, todos válidos. O policial apontou então para o lado direito do carro. Desci e fui ver o que ele me mostrava ser a causa de infração: eu havia subido no canteiro raso do acostamento, quando estacionara. E com isso, estragara a grama do canteiro, que mostrava a marca do pneu.

Multou-me e fui intimado, como de praxe, a comparecer perante um juiz para acertar tudo. De volta ao restaurante, relatei aos meus colegas, alguns brasileiros, e outros americanos.

— O mais estranho é que não entendi porque ele mandou-me parar. Foi quando parei o carro é que cometi a infração. — comentei com meus colegas. — E me multou porque amassei a grama verde do canteiro.

Um deles, Joe, um negro (digo, afro-americano) de dois metros de altura por dois de largura, que me esclareceu:

— Você pode acionar o policial, se você não cometeu nenhuma infração antes de ser parado e que só cometeu a infração quando parou. Só amassou a grama, nada mais.

Desconfiado, duvidei do que Joe me falava.

— Como? Acionar o policial?

Joe me orientou como deveria fazer. Mandar um formulário para a corte onde eu deveria comparecer, relatando o ocorrido. Pelo correio. Porte simples. Eu continuei na dúvida.

— Isso não vai dar certo.

No dia marcado para a audiência, lá fui. Joe foi comigo, a fim de “traduzir” para mim a linguagem do juiz e o que eu não compreendesse direito. Sentei-me defronte a uma pequena mesa, com Joe, do lado direito do corredor entre as cadeiras destinadas ao publico. Mas não havia nenhuma pessoa assistindo. Do lado esquerdo, estava o policial, sentado como eu, aguardando a chegada do juiz.

Um funcionário anunciou a entrada do juiz. Ficamos de pé e só nos sentamos novamente após o juiz se acomodar em sua poltrona de fronte á alta mesa. Tudo como a gente vê nos filmes americanos quando tem julgamento.

O juiz falou algumas palavras relativas ao meu caso, como número do processo, data da ocorrência, essas coisas. Depois disse o meu nome.

Levantei-me. Ele me fez perguntas e fui respondendo: quem eu era, o que fazia e o que havia ocorrido.

Comecei dizendo que era brasileiro, imigrante, estava com o visto de seis meses e que tentaria me explicar da melhor forma possível, pois não sabia muito bem o idioma, era um imigrante tentando a vida na América.

— Go ahead, o juiz me falou.

Expliquei o que tinha acontecido, no meu ponto de vista. Quando terminei, ele me mandou sentar.

Em seguida, chamou o policial, que então fiquei sabendo se chamava Quentin. Levantando-se com a formalidade da sua categoria, apresentou-se (nome, classe, onde estava lotado – Joe ia me falando baixinho) e em seguida, contou a sua versão.

Ele falou com clareza, de tal forma que entendi quase tudo.

Depois que o guarda terminou e sentou-se de volta à sua cadeira, o juiz passou a palma da mão direita pela boca, numa atitude de quem estava prestes a emitir uma sentença. Naquela hora, senti medo.

Vou perder minha licença! — Pensei.

Joe olhou para mim e acho que viu minha aflição, pois colocou sua mão esquerda sobre a minha direita e sorriu.

Em seguida o juiz falou. Narro aqui do jeito que entendi, simplificando a solenidade das palavras. Primeiro se dirigiu ao policial Quentin, dizendo que a infração não era tão grave que merecesse a multa, e que ele, policial, deveria, em vez de multar, orientar o motorista quando cometesse pequenas infrações. Principalmente quando se tratasse de imigrante. Lembre-se sempre que a América é um país construido por imigranttes. Por isso, a multa estava reduzida pela metade.

Joe me apertou a mão. Aquilo me pareceu ser uma reprimenda ao guarda.

Em seguida, dirigiu-se a mim, dizendo:

O senhor vai pagar apenas metade da multa. Para se lembrar sempre que aqui na América nós respeitamos o verde.

E deu a sessão por encerrada, batendo o martelo sobre a mesa.

ANTONIO ROQUE GOBBO

Belo Horizonte, 19 de abril de 2017

Conto #1005 da SÉRIE MILISTÓRIAS

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 28/04/2017
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