1004-SEXTA FEIRA 13 -DIA DE AZAR - Serie Vovó Bia

— Vovó! Porque o vovô disse que hoje é dia de azar?

— Ele disse isso? Quando foi, Dorinha?

— Hoje cedo, quando arrancou a folhinha do calendário, falou assim: “Porca la miséria, hoje é sexta-feira treze, dia de azar".

— Santo Dio! Já falei a ele para não dizer palavras feias perto de vocês.

— Mas, e a sexta feira... ?

— Há! Si, si. É uma história antiga, do tempo das cruzadas e dos Cavaleiros Templários.

— Já estudamos essa história das cruzadas.

— Sim, mas com certeza a professora não explicou essa superstição da sexta-feira treze ser dia de azar.

— Não, não falou nada disso.

— Chama ou Tavinho e o Carlinhos, que eles vão gostar de ouvir essa história.

Era noite de inverno e a família estava sentada na grande sala da casa da Fazenda Palmital. Dorinha chamou os irmãos e quando eles se acomodaram nas poltronas e sofás, puxando mantas e cobertores para se esquentarem, vovó começou.

— Faz muito tempo, entre os anos de 1080 até o final de 1270, aconteceram as cruzadas: muita gente saindo da Europa e indo até Jerusalém para fazer peregrinação até a Cidade Santa após sua conquista pelos cristãos contra os exércitos muçulmanos. Para acompanhar essa multidão muitas vezes desarmada, surgiu um bando de guerreiros que se intitularam Cavaleiros Templários.

— Ué? Mas não é história dos Cruzados? Quem foram esses Cavaleiros Templários? — Perguntou Dorinha que prestava atenção e nada lhe escapava batido.

— É porque eles estavam ligados às cruzadas, o povo passou a chamá-los de Cavaleiros Cruzados, ou simplesmente os Cruzados. Eram valentes e organizados, e os Cruzados formaram uma ordem que era meio de guerreiros e meio de religiosos. A Ordem era muito rigorosa: só aceitava como cavaleiros os nobres, que fossem fervorosamente cristãos, homens ricos, que tinham que doar todos os seus bens para a Ordem. Como verdadeira força militar, os cruzados guerrearam os turcos muçulmanos, conquistaram muitas cidades e com os saques, se tornaram ricos e poderosos.

Os cruzados foram abençoados pelos papas católicos daquele tempo. Os soberanos da Europa faziam importantes doações à Ordem.

Ajuntando as riquezas que traziam dos saques com as propriedades que estavam em sua posse, a Ordem ficou muito, muito poderosa. Ficou tão importante que em 1.139 o Papa Inocêncio II declarou, oficialmente, que os Templários (ou Cruzados) não deviam obediência a nenhum poder secular ou eclesiástico, apenas ao próprio papa.

Havia dentro da ordem membros não-combatentes, que organizaram um sistema financeiro que constituíram o embrião de um sistema bancário. Tinham registro de tudo o que a ordem possuía, emprestavam dinheiro até para os reis, que estavam sempre em dificuldades financeiras, e faziam também muita caridade.

Entretanto, apesar da valentia dos Cruzados, os muçulmanos reconquistaram Jerusalém e toda a Terra Santa, como era chamada a Palestina. Em conseqüência, os Cruzados perderam os locais que deveriam defender e voltaram para a Europa.

Uma grande transformação aconteceu na Ordem. Começou admitir pessoas que não atendiam aos critérios de admissão que eram rigorosos desde a fundação da Ordem. O fervor cristão e a austeridade na vida diária deixaram de ser as normas principais. Até o Rei Felipe VI, da França, quis ingressar na Ordem dos Templários, mas não foi aceito por se recusar a abdicar de suas riquezas e poderes.

— Imaginou um rei deixando de ser rei para ser guerreiro? — Tavinho tinha idéias mais atrevidas. — Ele ia querer mandar em todos os Cruzados. Não ia dar certo.

— Pois é, não deu certo mesmo. O rei Felipe era muito vaidoso, e tinha até o tratamento de Rei Felipe Sexto, o Belo. E era o maior devedor de dinheiro emprestado pelos Cruzados. Então, influenciou os cardeais para elegerem o novo Papa, que foi Clemente V. Em agradecimento à ajuda do Rei, o Papa atendeu ao pedido do rei e dissolveu a Ordem.

— Ah! Mas um Papa obedecer a um Rei é demais!

— Pois é, Dorinha, aconteceu assim. E foi então que os Cruzados ou Cavaleiros Templários foram considerados ilegais, pelo menos na França.

— A sexta-feira treze? — Carlinhos já estava com sono e queria saber logo o final da história.

— Calma, Carlinhos, já conto.

Retomando a narrativa, Vovó Bia prosseguiu:

— No dia vinte de setembro de 1307 o Rei Felipe, o Belo, enviou cartas lacradas a todos os magistrados, juízes e serviçais da justiça do reino da França, todos nomeados pelo rei, com ordens expressas de que somente fossem abertas na noite de doze de outubro, uma quinta feira.

Quando as cartas foram abertas simultaneamente, a ordem expressa assinada pelo Rei resumia-se em duas frases:

“OS TEMPLARIOS SÃO ACUSADOS DE GRAVES HERESIAS E CRIMES. TODOS DEVEM SER PRESOS".

Na madrugada de Sexta-Feira treze de outubro de 1307 todos os cavaleiros templários residentes na França foram presos. O fato teve uma repercussão muito grande na Época, por toda a Europa. E por isso passou para todo o mundo ocidental de então a crença de que o Dia 13, quando cai numa sexta-feira, é dia de azar.

— Mas os templários perderam tudo o que tinham?

— Sim. O rei se apossou de todas as terras, castelos, imóveis e se julgou livre da imensa dívida que tinha para com os templários. Mas o tesouro em ouro, prata, pedras preciosas, e muitos outros bens valiosos não foram alcançados pelos funcionários e soldados dos reis. Uma frota de navios dos Templários ancorados nos portos da França, com seus tesouros valiosos desapareceu nos mares para nunca mais ser vista.

O final despertou os três irmãos que resmungaram, entre esfregar de olhos e coceiras na cabeça:

— O tesouro sumiu? Ninguém...?

— Sim. Mas agora vocês já estão com sono. Vamos dormir. Outro dia conto prá vocês esta história.

Os meninos levantaram-se e correram prá dentro de casa, aos gritinhos:

— Bença mãe, bença pai, bença vó, bença vô.

E o coro das vozes adultas respondeu:

— Deus abençoe, Deus abençoe.

ANTONIO ROQUE GOBBO

BELO HORIZONTE, 25 DE MARÇO DE 2017

CONTO # 1004 DA SÉRIE MILISTÓRIAS

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 25/04/2017
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