INICIAÇÃO
INICIAÇÃO
- Cala a boca, moleque! Berrou o chefe da portaria.
Precisou segurar as lágrimas. Sentiu a humilhação. Ainda mais perto da loira.
- Pode ficar tranqüila, senhora. Vamos resolver o seu problema.
- Quero resolvido agora! Exigiu a loira.
O menino de lado. Paralisado. Ameaçado.
- Onde está o anel, moleque?
- Juro por Deus! Eu não sei!
A loira insistiu: - Só pode ter sido ele!
Quis pedir socorro. Para quem? A mãe faxineira estava longe, do outro lado da cidade. O pai tinha ido para São Paulo, arrumar trabalho. Estava só. Acuado entre a loira ricaça e o chefe da portaria.
***
Estava já na hora de ajudar a família. Precisava se virar. Aquele emprego de boy no hotel de luxo viera a calhar. A mãe, com ajuda de pistolão, quem conseguiu. Sentiu-se importante dentro da farda de brim marrom e botões dourados. Já no primeiro dia ganhou gorjeta. Ficou esperto. Serviçal. Corria de um lado para outro atendendo ordens. – Menino, vá buscar um maço de cigarros! – boy, me trás um melhoral! Ele voando. Aprendeu, com quatorze anos, que a rapidez e a bajulação eram apreciadas. Também aprendeu a tomar sorvete kibon, beber coca-cola, comer hambúrguer, fumar um cigarrinho. Recusou o baseado que lhe fora oferecido no bar do China. Tinha dinheiro. Gostava disso.
***
- Fala, moleque! Onde você escondeu o anel?
- Não sei de anel nenhum! Nunca vi esse anel!
- Chame o gerente! Exigiu a loira.
O gerente apareceu. Cara de preocupado. Indagou sobre o que estava acontecendo. A loira quem falou:
- Esse menino entrou no meu quarto e furtou meu anel! Um solitário. Presente de casamento.
- Não, dona... não fiz isso! Juro! Podem me revistar!
***
Fora a loira gostosa quem lhe dera a chave do quarto. Mandou ele levar as flores que acabara de ganhar do marido velhusco. Ele, atencioso, obedeceu a ordem. A loira e o coroa foram para o restaurante. Iriam demorar para subir para o quarto. Aproveitou para mexer nas coisas. Experimentou a colônia masculina, entrou no banheiro, viu a calcinha da loira jogada num canto. Apanhou. Cheirou. Sentiu ereção. Passou o pau na peça íntima e se masturbou. Limpou tudo com papel higiênico. Voltou para a portaria.
***
O gerente determinou: - Vamos para o vestiário! A loira e o chefe da portaria juntos.
- Tira a roupa, moleque!
- Não! Pelo amor de Deus! Sentiu vergonha.
- Tira ou leva porrada!
Começou a chorar.
O chefe da portaria o imobilizou. O gerente fez a revista. – Não tem nada com ele!
A loira, excitada, insistiu: - pode ter guardado no próprio corpo. Já tive uma empregada que me furtou dinheiro e enfiou na vagina..
Os olhos verdes do chefe dos porteiros brilharam e se encheram de sangue. Verde-vermelho contrastando. O bigode fino... o sorriso... o demônio.
- Abre as pernas, moleque!
- Não! Por fa...
Tirou o dedo cheio de bosta. Cheirou apreciando. Sorriu.
- Não está com ele! Deve ter escondido em algum lugar.
***
A loira gostosa, o gerente e o chefe da portaria discutem no saguão. O menino chorando. Uma figura elegante, de negro, se aproxima. É o maître.
- A senhora esqueceu isto no restaurante! - e lhe entregou o anel.
Ninguém pediu desculpas ao menino.
A loira sai rindo. Alegre. Achou o seu objeto. Nada mais lhe importava.
***
Chegou na casa. Três cômodos no cortiço. Ajuntou suas roupas e as colocou numa maleta de plástico. Tirou de seu canto secreto uma caixa de sapatos. Estava cheia de dinheiro. Tinha economizado as propinas. Contou. Dava para o que queria. Sabia onde encontrar.
Saiu para a rua. Nos fundos do boteco mal afamado, conversou com o China. Discutiram o preço. Comprou e ainda sobrou um pouco. Um treizoitão e dezoito balas. Seis para cada um. Cinco no peito e uma, a última, no ânus.
Depois iria embora. De onde estivesse, escreveria para a mãe.
Sentiu-se homem.
(antonio luiz fontela)