A principiante (relançamento)
Não sabia o que podia esperar quando havia decidido, quase em cima da hora, participar da Jornada de Literatura de Passo Fundo. Agora sabia, tudo podia acontecer. Depois de três dias cheios, começava a viagem de volta. Uma viagem desgastante, pelo tempo que levaria. Lembrou-se de comprar um jornal, para distrair-se durante o trajeto. Quando o ônibus deixou a cidade para trás, pôs-se a virar distraidamente as folhas. Lá estava: no maior jornal do estado, nas páginas centrais, uma longa reportagem com o vencedor do prêmio de romance. Duas fotos ilustrando a matéria. Na primeira, circunspecto, o autor premiado juntava as mãos sob o queixo. Na outra, autografava um livro. Para quem? Olhou mais de perto a fotografia. Não havia dúvida possível: para ela própria. Isto é: para uma jovem que ansiava por tornar-se escritora.
Naquela tarde em que o ganhador do prêmio conversaria com a platéia, ela havia percorrido uma das avenidas do campus, admirando as belas árvores que o enfeitavam. Era um festival de flores amarelas, roxas, vermelhas, sinais da primavera emergente. A algumas centenas de metros dali, ficava o circo da cultura. Sentia-se um pouco frustrada por não ter conseguido vaga para a programação principal, mas estava ávida por aproveitar tudo o que estivesse ao seu alcance: encontros com escritores, oficinas, palestras que aconteciam de forma paralela.
Subiu os degraus de um dos prédios e viu-se em um amplo saguão, que dava acesso a diversas salas. Sentou-se na extremidade de um sofá e aguardou. Encontrava-se no local e no horário indicados. Daí a alguns minutos, alguém perguntou-lhe se estava esperando pela conversa com o escritor. Assentiu. O rapaz informou que seria preciso dar um tempo, ele ainda estava ocupado com a mesa-redonda da tarde.
Acomodou-se melhor no sofá. Tinha vindo de longe para viver aqueles momentos, curtir aquele clima de literatura que impregnava o ambiente. No fundo da mala, dois ou três exemplares de seu primeiro livro. Na verdade, dois. Pra que mais? Um livro de iniciante, algumas dezenas de volumes vendidos para parentes e amigos. Vingaria aquela tentativa? Esperava que sim, que a árvore desse novos frutos. E melhores.
Dois rapazes surgiram, um deles com apetrechos fotográficos. Vinham fazer a cobertura do evento. Seria um bate-papo especial, tratava-se de ninguém menos do que o ganhador do grande prêmio de romance. Ela apertou com carinho o livro que acabava de comprar, trazia-o para a devida dedicatória.
Os jornalistas pararam, desconcertados, diante da sala deserta. Não é aqui...? Ela explicou-lhes o que sabia. Ficaram os três na expectativa, observando os movimentos de fim de tarde. Na rua, o lusco-fusco avançava sobre o campus, esmaecendo a tonalidade das flores.
Estava pensando se valeria a pena esperar por mais tempo, quando apareceu um dos organizadores.
- O escritor já está vindo para cá, houve um atraso nos trabalhos.
Deu uns passos em direção à sala da conversa, examinou-a e voltou, descrente:
- Não tem ninguém esperando?
O jornalista apontou para ela:
- Tem esta moça, e nós dois.
O diálogo foi interrompido pela chegada de um senhor simpático, bem-arrumado, que subia a escadaria junto com uma jovem. Depois de um olhar interrogativo para a sala, meio às escuras, pararam ambos diante do sofá.
- Acho que o pessoal não conseguiu vir até aqui. Fica longe do circo - tentou desculpar-se a moça.
Ela ergueu-se:
- Me dá o seu autógrafo?
O rosto do escritor iluminou-se:
- Que bom! Alguém comprou o meu livro.
Em pé, equilibrou a caneta e a obra. Ela já se afastava quando o fotógrafo a chamou:
- Só um momento, tu podes emprestar o teu livro para a sessão de fotos?
Dirigiram-se todos para o local do encontro. Sentada na primeira fila, ela assistia às poses do romancista.
- Abra o livro, como se estivesse lendo, - sugeriu o fotógrafo.
- Está bem, vou ler.
Volume aberto diante dos olhos, o escritor pôs-se a murmurar, num carioquês pausado: "Essa moça deve estar pensando que entrou numa fria. Comprar o livro de um autor que vai falar e não aparece ninguém? Onde já se viu? Ela deve estar pensando: este livro é uma porcaria. Só pode... Tomara que não o jogue fora. Espero que tenha a paciência de ler."
Depois, com um sorriso, perguntou na sua fala arrastada:
- Você também escreve? Venha me contar.
Ela fechou os olhos, dentro do ônibus que se afastava célere daquela cidade da literatura. Agora sabia, muita coisa podia acontecer. Não, não estava sonhando. O seu retrato no jornal era uma prova disso.