Chá da tarde
Por volta das cinco horas da tarde, quando fazia a bainha na calça do filho caçula, Adelaide ouviu um som ensurdecedor. Não havia dúvida, tratava-se de um trovão. Deixou a roupa, a agulha e a linha sobre a mesinha de canto e se dirigiu à varanda. Ergueu os olhos para o céu e se deparou com um cenário ameaçador: grossas nuvens de chuva já haviam sumido com o sol que se punha. A tarde estava indo embora rapidamente. O mundo estava escurecendo.
Às pressas, correu à cozinha onde sua empregada, Santinha, ainda limpava um dos armários.
— Eu, se fosse você, Santinha, acabava isso logo. Está vindo muita chuva. Ouviu o trovão, não ouviu? Pois é, vamos ter chuva forte. O céu já está todo preto. Cheio de nuvens nimbus, aquelas bem escuras, quase pretas.
— Que negócio é esse de nuvem limbo, dona Adelaide?! E nuvem lá tem nome?
— Nimbus, Santinha, nuvem nimbus. Ora, vai me falar que você não sabe que toda nuvem tem nome? Stratus, cumulus, cirrus, nimbus...
— Essas pessoas inventam cada coisa! – Santinha desdenhou, rindo, – Onde já se viu perder tempo batizando nuvem? Nuvem é nuvem, e pronto. Quem tem nome é gente. Gente e bicho. Se bem que bicho tem, no máximo, apelido – dizia enquanto terminava de espanar as prateleiras do armário, — Até parece o meu genro, que outro dia falou que a poluição do ar fez um buraco na camada dos ômi. Ainda bem que eu sou mulher – arrematou, guardando o espanador.
— É Camada de Ozônio, Santinha – explicou Adelaide.
Após mais uma trovoada, um aguaceiro caiu do céu. Santinha, que já havia pego casaco e bolsa, parou em frente à porta:
— Pois é! Com um toró assim, o jeito é a gente tomar um chá e esperar essa chuvarada passar.
Adelaide pegou uns biscoitos e aprontou a mesa enquanto Santinha esquentava a água. As duas sentaram-se à mesa, aproveitando a quentura revigorante do chá de erva doce, enquanto admiravam pela janela à frente a chuva caindo caudalosamente, as gotas massageando a terra.
— Essa chuva até parece poesia – exclamou Adelaide, sempre contemplativa — Até me dá vontade de fazer igual ao poeta Bashô e compor um haicai sobre a chuva.
— Ah, dona Adelaide, faz igual ele não. Se o poeta abaixou, aí cai sobre a chuva, o problema é dele.
Adelaide não se importava se Santinha nem sempre a entendia, porque Santinha, mesmo quando não entendia, a ouvia com atenção. Santinha, por sua vez, se sentia mais letrada ouvindo as conversas cultas da patroa, e mesmo que muitas das palavras fossem difíceis para ela, no fundo ela gostava de saber que existiam pessoas que perdiam tempo batizando nuvens e vendo poesia em pé d'água.
Após meia hora, a tempestade diminuiu, depois cessou, as nuvens clarearam e se dissiparam, revelando uma tarde purificada. Adelaide e Santinha avistaram pela janela um arco-íris definido de leste a oeste.
— Espia só que arco-íris garboso, dona Adelaide.
— Meu Deus! Há quantos anos que eu não vejo um arco-íris de cores tão vivas! Que violeta! Que índigo!
— E lá tem índio no arco-íris, dona Adelaide? – riu Santinha.
— Índigo, Santinha. Índigo. É o nome de uma cor!
— Mas que nomes esquisitos você inventa, dona Adelaide. Limbo... Índio... Isso é exagero. O que dá pra ver certinho ali, ó, é o vermelho, vermelhinho, amarelo, o verde, azul, azulão, e roxo. Índio... Até parece minha nora, que outro dia comprou um batom cor de fusca.
— Cor de fusca?!
— É! Cor de fusca. É um rosa tão forte que arde os olhos.
— Fúcsia, Santinha. O nome dessa cor é fúcsia. E índigo e violeta são faixas do espectro de luz.
— Ah, dona Adelaide, não gosto dessas conversas de espectro de luz não, que aí já é espiritismo e eu sou da igreja – e, levantando-se, despediu-se, — Agora a senhora me dá licença que eu já vou é embora senão eu perco o ônibus. Até sexta-feira.
— Até sexta, querida – suspirou Adelaide. O ocaso corava o céu.
Logo o filho chegou da escola, arremessou a mochila em cima do sofá, e gemeu um oi enquanto corria para a televisão; Adelaide meditativa ao lado da xícara de chá fumegante.
— Essa Santinha...– sorriu Adelaide, já com saudade das mais agradáveis conversas de fim de tarde que tinha.