Solitaire e o Anjo Zulu - Capítulo II
Solitaire e o Anjo Zulu - Capítulo II
Sigo caminhando pelas trilhas do Acaso.
Tento imaginar as surpresas que ele reservou para esta noite, mas logo desisto.
Porque o sabor da surpresa me é delicioso.
Caminho por ruas movimentadas. Vejo rostos dos mais variados tipos. A arquitetura de tijolos vermelhos me fascina.
Muitos vasos floridos em todos os lugares.
A memória insiste na antiga canção que me embala o silêncio.
“I’m wandering round and round nowhere to go...”
Pego o metrô e saio bem em frente ao Grande Relógio. Fico observando por um longo tempo aquele esplendor antigo. A noite evidencia seu porte impotente.
Um ícone sereno a guardar a cidade. Um nobre que resistiu ao bombardeio nazista, do qual foi alvo precioso. Sobreviveu e incorporou ainda mais sua altivez.
Manteve sua postura senhorial.
Lhe dirijo um sorriso de profundo respeito.
Ele devolve o cumprimento, lembrando que a cada segundo a vida apresenta uma nova chance.
Me despeço com uma foto. E prossigo acatando a sabedoria do Senhor do Tempo.
“It´s good to live, at least, and I agree... “
Novo trecho de Metrô e lá está ela. A Ponte da Torre, outra senhora plena de histórias.
A elegante dama se destaca na noite, que lhe envolve a silhueta charmosa.
Fotografo detalhes enquanto atravesso seu dorso estendido sobre o Rio Largo. Gosto de pontes.
E esta é uma de minhas favoritas.
Piso de leve, como quem acaricia uma querida amiga.
O Rio não demonstra ciúmes, pois no último crepúsculo imprimi no olhar seu surpreendente azul.
Chego lentamente à outra margem . A exposição de arte já encerrou. Portas fechadas. Melhor assim.
Pouso a atenção nas embarcações que navegam o Rio.
Os turistas riem alto o seu prazer, mas isso me incomoda.
Incomoda a tranquilidade do Rio, mas este não se queixa. Um verdadeiro cavalheiro.
“He seems so pleased to please them...”
A Ponte tudo observa, comtemplativa. É polida demais para admitir seu tédio.
Novas fotos, nova despedida.
Sigo caminhando a esmo, guiada pelo Acaso. As ruas vão se tornando cada vez mais ermas.
Minha alma peregrina é conduzida por lugares desconhecidos.
Vejo as luzes das casas se apagando e um silêncio doce nascendo.
As ruas se tornam tão vazias que parecem minhas.
“I cross the streets without fear...”
Sinto uma agradável sensação de paz. Esqueço que o Acaso costuma ser pungente.
E algumas vezes, por demais assustador.
Solitaire nem imagina o que vem a seguir.
Continua.....
Claudia Gadini
03.08.05