O PEIXE E A SEREIA
O PEIXE E A SEREIA
Era um peixe de água funda…
Meu olhar afunda no mar. Encara a escuridão. Escancara um brilho no eco da voz. Eu sei. Eu o vejo. E o que faço com isso?
O barco me conforta.
O coração bate forte. O sol me banha de quentura. E vejo daqui um escuro. Profundo de azul. Cheio dos silêncios da chuva.
Respiro fundo. Mergulho em água.
Os olhos se abrem. A água limpíssima lava os cardumes. De dourados. E de prateados. Abrem-se em dança. E passam…
O peso da leveza inspira o medo. Não posso fingir. Não vai adiantar. Preciso subir à tona. Voltar ao barco. Embarcar no ar. Que acelera e bate um medo de ver. Mas ele está lá.
O peixe de água funda. Arregalado em olhos. Assanhado em focinho. Pontiagudo e largo.
Fecho-me em olhos rasos. Deixo o medo se comunicar. E o coração afunda quente no escuro do sangue. E de repente nasce. Um verde nos raminhos do broto. E isto me refresca. E do mais profundo de mim emerge a mensagem.
“No fundo você sabe que não há nada a temer. Veja que há brotos de delicadas flores. O sangue vermelho. Escuro de quentura. É verde de terra. E raminhos.”
Vasculho meu coração. Bebo o sol. Respiro o sal. Mergulho-me mais e mais. Em mar.
Meu corpo transforma a forma. Cresce em mim o grande peixe. Cinza. Cresce em mim a grande força. Longa verde incendiando peito e cabelos.
Minha mira é certeira. Ali se aloja. Eis o grande peixe. Entocado. Intocado. Enredado na algas. Sob a funda proteção das águas. Ingênuo. Seus olhos o traem.
Ali está. À espreita.
A sereia em mim. Serpenteia. Entre nados de liberdade. Entre fluxos e refluxos de areia. Docemente linda. Dança.
As águas o chamam. Vem. Nada. Vem. Explora os mares. E aflora. Vem para fora.
A cauda imensuravelmente grande. Se move. Me comove.
O barco singra outras paragens. Paradas. E vai ou fica. Não me importa mais.
Meu espaço me infinita. E exploro o vazio do frio. Da água funda. Sem pesares. De todos os meus mares.
Mírian Cerqueira Leite