Pernas

Gotas de chuva salpicavam seu rosto que dormia triste sobre a superfície dura e desconfortável. Antes de abrir os olhos, ouviu a violência do vento e do engarrafamento formado ao lado e respirou mais uma vez o cheiro da realidade. Mas já não sofria, já não chorava, já não se incomodava nem com gotas incômodas sobre seu rosto outrora esperançoso. Depois de tudo, só restou a ela a indiferença. Abriu os olhos e saiu vagando pela cidade noturna. Suas pernas cansadas perambularam diferentes cores e texturas e rumaram para lugares desconhecidos por muitos. Quando seus olhos voltaram a funcionar havia um cheiro de fumaça misturada cuidadosamente com cheiro de sujeira. E a única coisa que encontrou foi a escuridão. Suas pernas exaustas bambearam e sem perceber seus joelhos foram se dobrando até que se sentou nas partículas empoeiradas de chão. As partículas se acumularam sobre seus olhos e o vento escuro ordenou que eles se fechassem. Os olhos dormiram, mas não os vultos que a visitavam todas as vezes que o cheiro de realidade era substituído pelo doce odor dos poucos sonhos que restavam àquele corpo sempre triste. Eram vultos com sorrisos cintilantes. Carregavam flores coloridas e entregavam num ballet delicado às mãos pequeninas e inocentes. Ela era de novo criança e de novo sorria. Mas mais uma vez gotas de chuva salpicaram seu rosto que dormia triste e ela abriu os olhos assustada e viu vultos, mas não vultos sorridentes. Eram vultos violentos e espancadores com cheiro de terrível realidade. Então, as fracas pernas se levantaram levantando também partículas empoeiradas e se apressaram rumando para caminhos desconhecidos que só a indiferença conhecia. Seguiram caminhando e deixando para trás doces flores coloridas.

Giovana Pomin
Enviado por Giovana Pomin em 06/08/2007
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