Anos de ensino agora em uma caixa de lembranças. Fotos, cartas, recortes. Altair só voltou a pôr os olhos nela por causa da mudança. Ia viver em uma cidade menor, sem planos nem expectativas. Aos setenta anos, a velocidade destas ilusões diminui.
A caixa tinha colado em sua superfície coisas que remetiam a uma época esquecida. Fotos da seleção brasileira de 1970, uma em que Pelé, de braços erguidos, comemorava outro gol. Outra dos Beatles olhando para o infinito parecendo surpresos consigo mesmos por serem os Beatles. Naquele tempo, o espanto ainda era possível.
Sentou-se no chão do quartinho e começou a remexer o passado amontoado. Então encontrou a poesia. O título era Maravilha e seus olhos se estreitaram diante das apagadas linhas dos versos, a tinta da Olivetti afirmando o peso das décadas. A poesia que fizera para uma colega, Beatriz, que o chamava de mestre quando se cruzavam nos corredores da escola. Beatriz nunca soube da poesia e nem do frio que percorria a espinha de Altair sempre que a via.
Ele sonhara um mundo ideal onde eles resgatariam a perda de Dante. Um idílio perfeito onde seriam a personificação de um amor sem jaça. Mas a verdade é que ele fora covarde e jamais tivera coragem de dizer a Beatriz que a imaginava uma maravilha.
Fechou a caixa. Não havia mais tempo para reconstruções. Jogaria fora aquele tormento de papel. Saiu do quartinho e voltou para a sala. Olhou o relógio no aparador de mogno e viu que passava do meio dia. Hora do almoço. Foi ao quarto e trouxe para a sala a esposa, em uma cadeira de rodas, a mulher com quem dividira os últimos quarenta anos, mas que agora era incapaz de lhe dirigir uma só palavra, sequer reconhece-lo.
Olhou para os cabelos brancos de Beatriz e acariciou-os lentamente. Não, ela se enganara. Ele não era e nem nunca fora um mestre.
A caixa tinha colado em sua superfície coisas que remetiam a uma época esquecida. Fotos da seleção brasileira de 1970, uma em que Pelé, de braços erguidos, comemorava outro gol. Outra dos Beatles olhando para o infinito parecendo surpresos consigo mesmos por serem os Beatles. Naquele tempo, o espanto ainda era possível.
Sentou-se no chão do quartinho e começou a remexer o passado amontoado. Então encontrou a poesia. O título era Maravilha e seus olhos se estreitaram diante das apagadas linhas dos versos, a tinta da Olivetti afirmando o peso das décadas. A poesia que fizera para uma colega, Beatriz, que o chamava de mestre quando se cruzavam nos corredores da escola. Beatriz nunca soube da poesia e nem do frio que percorria a espinha de Altair sempre que a via.
Ele sonhara um mundo ideal onde eles resgatariam a perda de Dante. Um idílio perfeito onde seriam a personificação de um amor sem jaça. Mas a verdade é que ele fora covarde e jamais tivera coragem de dizer a Beatriz que a imaginava uma maravilha.
Fechou a caixa. Não havia mais tempo para reconstruções. Jogaria fora aquele tormento de papel. Saiu do quartinho e voltou para a sala. Olhou o relógio no aparador de mogno e viu que passava do meio dia. Hora do almoço. Foi ao quarto e trouxe para a sala a esposa, em uma cadeira de rodas, a mulher com quem dividira os últimos quarenta anos, mas que agora era incapaz de lhe dirigir uma só palavra, sequer reconhece-lo.
Olhou para os cabelos brancos de Beatriz e acariciou-os lentamente. Não, ela se enganara. Ele não era e nem nunca fora um mestre.