PAINEIRA DO GRAVATÁ

Tardes de domingo no alto serra Do Gravatá do Araçuaí.

O sol ia abaixando de vagar com seus raios fecundos e duradouros sobre aqueles ressequidos montes do Médio Jequitinhonha.

Na sombra frondosa da paineira na encruzilhada, do povoado gravataense, proseavam e cantavam, sorriam e contavam piadas, choravam e estressavam-se aqueles amigos inseparáveis daquele tristonho sertão.

Cidinha e Inês, Valquíria e Raquel, Romão e Fernando, Zé Inácio e Joaquim do Rosário. Esse pelo nome já se sabe que era um belo mulato.

Cidinha, morena de tirar o chapéu, com seus vestidos curtos de chita, modelados em godê, com alças finas e bem degotados, exibia com prazer suas lindas pernas e seu sorriso largo para seus pretendentes naquela freguesia.

Inês, a mais linda de todas, olhos da cor de jabuticaba, sobrancelhas grossas e bem tosadas. Moça recatada, tímida por natureza, muito comportada, estava sempre ouvindo tudo e falando muito pouco com a rapaziada. Chinelos bordados e esmaltes sempre vermelhos e nada de maquiagem. Mas, maquiagem para quê?

Valquíria era uma menina faceira, alta por natureza, cabelos cor de mel, olhos verdes feito campo no verão, levava sempre um livro para ler e quem sabe comentar com os amigos de então.

Raquel era gorda, tinha raiva da banha, mas não fazia nada para exterminá-la, pelo contrário, levava doces em todas as tardes de domingo naquela encruzilhada. Usava saia longa, blusa bem espaçada, para disfarça a robustez e se sentir mais animada.

Romão, com sua camisa aberta, com o peito sempre desnudo, calça jeans desbotada, tocava um viola como ninguém e arrancava do peito lindos versos em festa, com sua voz aveludada alegrando as tardes de domingo, à sombra majestosa daquela perene paineira.

Fernando, moço trigueiro, esperto, sabia contar uma piada e não fazia roda. Com sua calça sempre apertada, e sinto grosso de couro cru, galanteava todo o tempo a bela Inês de olho negros feito noite, naquela encruzilhada.

Zé Inácio era gago, para falar direitinho tinha que cantar. Mas era respeitado pelos colegas, não havia gozação e era amado por todos do povoado. Cabelo sempre penteado com gel de Lux e sapatos bem engraxados.

Joaquim do Rosário ficava sempre babando por Cidinha, que pouco sinal lhe dava. Cabelo em forma arapuá, barba aparada bem baixinha, dentes mais branco do que leite em xícara esmaltada, costumava fazer dueto com seu amigo Romão e sempre oferecendo para Cidinha.

As tardes de domingo eram lindas com aqueles jovens do arraial de Gravatá.

Lembrei muito disso, pois outro dia passei por lá. E me dei conta que há precisamente quarenta e cinco anos atrás, que essas coisas aconteciam naquele lugar.

A paineira continua na encruzilhada, envelhecida, com poucas folhas, não mais frondosa e bonita, mas em silêncio, parece até que os domingos não têm mais tardes por lá.

E aqueles jovens seguiram horizontes diferentes. A única coisa que sei é que de tanto Joaquim do Rosário cortejar Cidinha, ela percebeu que era amor verdadeiro e cedeu ao mulato que vivia encantado por ela. Hoje vivem em Pedra Azul. Ela, a vovó Cidinha de sorriso largo e amada por todos. E ele, um vovô que adora fazer uma segunda com os amigos da vila. Até violão ele aprendeu tocar.

Os outros, lamentavelmente eu não sei de nada para contar.

É isso aí!

Acácio Nunes

Acácio Nunes
Enviado por Acácio Nunes em 21/03/2017
Reeditado em 22/03/2017
Código do texto: T5947586
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