ELA ERA VIRGEM, MAS GOSTAVA DE DROGAS
 
Nos fundos de um Opala 15 anos novinho
Estava uma doce orquídea, 15 anos novinha...
Do terror de sua pouca vida vivida, ainda não tinha compreendido a vida:
Quem nasce sofre, e demais de sua epigênese há de sofrer,
Mas ela não tinha idade para isso ainda, era apenas uma menina, e meninas
Não precisam estar buscando sentido em suas vidas,
Pois o sentido é viver.
 
Naquelas quinze primeiras primaveras de sua vida,
Sem ter sentido o gosto nem do amor, nem do sexo,
Pensaríamos quão ingênua ainda era tal criatura.
Não sei se a explicação para esconder o amor do coração, do mundo e da razão;
O sexo do desejo, da vontade e do tesão fosse-lhe substituído pelo apelo exclusivo das drogas.
Seu cotidiano não era up, era down... underground!
O que a levava viver aquém da sociedade? Tudo aquilo que a hipocrisia dos estados de direito impõe arbitrariamente às pessoas, ensinando-as sobre liberdade; quando não passa apenas de doutrinação para macacos adestrados – Estado, Igreja, Família e Segurança.
 
Em busca de seu objeto de desejo, como não tinha dinheiro, prostituir-se jamais, ela furtava pequenos objetos de vacilões e começava o voo solitário pela noite,
Vagando...
Vagueando... 
Vagabundando...
Vegetando... 
Vampirizampo!!!
Voando com o desejo e Vontade de sentir o prazer do líquido da agulha cortando-lhe...derretendo seu cérebro. Ela sabia exatamente aonde ir, mas esse ir, muito diferente de chegar, poderia durar apenas 20 minutos se fosse amanhã. Sempre que usa uma droga ela pensa no orgasmo, e se questiona sobre a sensação do gozo se é parecida com a sensação de um pico. Como seria gozar enquanto estivesse se injetando? Seria a droga um orgasmo inventado? Nem todas as pessoas conseguem ter um único orgasmo na vida, através do sexo; mas isso não acontece quando se toma uma dose de um derivado dos opiáceos – morfina, metadona, codeína, oxicodona ou hidromorfona. Ela se questiona sobre nada saber da vida, inda mais sobre o sexo. Sexo e drogas é comparação besta, só poderia sair mesmo da cabeça de uma menina mais besta ainda.
 
Tantos dias que se lhe apresentam pela fresta de seu quarto com a invasão dos raios de sol; lá pelas duas da tarde, quando ela geralmente acorda.
Já não vai mais à escola;
dos pais, (um a protege – o pai; o outro -  a mãe – está com depressão e a culpa por isso).
 
Ela não ocupa nenhuma categoria em que possa se encaixar num perfil psicológico terapêutico: não é rebelde; não é triste, tampouco deprimida; não quer chamar a atenção; não tem problemas com sua sexualidade; não tem problemas com namorados, na verdade, ela lida muito bem com isso, chega ser tão responsável ao ponto de se manter ainda virgem, mesmo que isso não signifique um ato de responsabilidade, mas, para ela no caso, o de saber o momento certo de estar pronta. A única coisa que lhe parece uma enorme mortalha é o excessivo consumo de drogas, mas aí aparece outro fato em sua personalidade, diferente em adolescentes que recorrem a esse mundo alternativo como objeto de fuga às situações de dificuldades e confusões em sua vida. Como ela mesmo diz: “Não sou usuária de drogas, dependente química, moradora de rua, viciada... Ninguém vai me internar! Uso drogas por que tenho vontade, como tenho vontade de comer um pedaço de bolo quando passo por uma delicatessen, um delicioso bolo de chocolate, o prazer que nos proporciona, aquilo nos vicia, aquilo vicia as pessoas e aos poucos, como é praxe em toda sociedade, depois que 70% da população está gorda, ninguém se julga, porque são hipócritas. Eu uso drogas por que posso. É proibido?! então me prendam, pois assim como os milhares de assassinos, estupradores e os piores bandidos que matam, e violentam mulheres inocentes em todo mundo sob o efeito de bebidas alcoólicas e não são punidos, quem acende um simples cigarro de maconha ou carrega um ou dois baseados o fazem com receio, com o receio de serem presos."
 
Mas aquela menina de apenas 15 anos não tinha medo de nada e não tinha medo porque sabia que se o Nada não existia, por que temê-lo?
 
Não possuía uma personalidade maniqueísta, minimalista, maquiavélica, nem niilista, por não se prender a rótulos, eles eram comumente conjugados a ela para lhe dar um diagnóstico de uma humanidade cristã. Quanto a isso ela não se importava, poderiam lhe rotular como sendo todos e nenhum – Cria que os seres humanos, sem exceção, não eram tão estúpidos em imaginar nas conveniências de uma sociedade perfeita. Tudo está corrompido – O Maniqueísmo vive dentro das pessoas todos os dias; o medo do sofrimento, a ansiedade, o medo da morte, o medo das pessoas, o medo do bem e do mal, esse medo criado desde nossa criação familiar. Alguém consegue fugir disso?
 
Noutra momento, ela se corrompe falando às pessoas que possuem medo de coisas minimalistas e se dizem humildes, sem grandes ambições, desapegadas ao materialismo; isso é a grande mentira da Humanidade. O minimalismo é, na verdade, a porta para se entender o Capitalismo – todo mundo quer possuir as coisas, mesmo sem poder possuí-las. Nessa febre doentia, correm todos os dias, em busca dos dinheiros imaginários, o dinheiro que não lhes possui, que lhes garantirão a satisfação de um desejo por determinados momentos, minutos e/ou horas, mas que os escravizarão por meses... ou anos.
Quem, tendo a chance, nunca sentiu, teve a vontade, a obsessão de matar o chefe fascista, ou o colega rico que concorre com você por aquela vaga na empresa, só para lhe provar que sem status não se vai a lugar algum? Quem nunca pensou na possibilidade da riqueza fácil do ilícito, transbordando a contenção da barragem do mar de lama em que você trabalha, sendo cúmplice passivo, mas vivo, penhorado, precisando manter-se de boca calada e de olhos fechados? Não é mesmo o minimalismo muito sedutor àqueles que se dizem humildes tendo a alma de raptor?
 
O mais belo dos sentimentos para ela é o Niilismo – não precisamos de nada do que foi gasto antes... Nada nos aborrece, em nada temos que acreditar, assim, não há o que temer. A vida fica fácil de se viver. Não precisamos mais temer pecados, ferir códigos canônicos, os pecados capitas, as leis divinas. A traição? A traição é relativa, dependerá se o conceito niilista de um casal consiste em considerar como traição a conjunção carnal com outro parceiro, ou se a traição trouxe prejuízos para um ou ambos. Só existe traição quando existe um sentimento ferido, comprometido, que atrapalhará a vida de um ou do outro, sendo que este sentimento que está afetando a vida do ser traído, tinha sido reservado somente para o ser traidor; a traição não é considerada quando se rompe o elo comprometido, firmado, ou seja, o contrato. O matrimônio é um negócio, e como todos os negócios, podem acabar. Falou aquela menina de 15 anos.
 
A menina, passados 15 anos, reapareceu através de um livro autobiográfico que se intitulava “Como cheguei aos trinta?”. O que aparecia na capa do livro, como nome do autor era: Ratratuzra, um codinome lógico, nunca se soube do seu nome realmente; na contracapa aparecia ela ainda adolescente, mostrando seu lençol sujo de sangue de sua primeira experiência sexual. O livro começa exatamente nesse dia em que ela narra:
 
“Minhas expectativas sobre o sexo eram tão intensas, monstruosas, não cabiam mais dentro de mim, que acabei supervalorizando demais o mesmo. O que pude empreender daquela inexperiência é que não se aprende nada na primeira vez, pelo menos no meu caso. Eu, que queria tanto saber fazer a diferenciação do prazer do gozo com o do pico, somente senti a dor terrível da pica de um cara que depois de me comer e gozar, virou para mim, enquanto eu chorava e sangrava. –“O que foi? Isso é só sexo!” e me deixou ali, em posição de gárgula, nua, com frio, sozinha, confusa e com muito desprezo pela raça humana.
Passou mais ou menos uma hora, eu me vesti peguei o lençol sujo daquele sangue nojento, peguei meu celular e tirei uma foto para a posteridade. Sai daquele lugar horroroso, um motel pulguento de R$ 20,00 de pernoite, dava para sentir o cheiro do sexo dos ocupantes anteriores a nós no quarto, mas era o que eu estava disposta a fazer. "
 
Mudei-me para sempre dos vários lugares em que minha mente ia se acostumando, e, enquanto me mudava escrevia num diário o que achava relevante escrever.
Meu objetivo, depois de passar por tantos lugares até me encontrar novamente, era o de voltar ao meu ninho. Mas, se alguém encontrar esse diário provavelmente estarei morta; não sei por qual motivo, razão, envolvimento errado. Talvez por alguma doença, ou acidente, não sei...
 
Só saibam de uma coisa – Eu nunca cheguei aos 30 anos.
 
Esse diário foi terminado um dia após ter perdido a minha virgindade.
O desgraçado que me violou, veio até mim e me seduziu dizendo que queria se desculpar pelo dia anterior, fui enganada. Quando cheguei ao local do motel, estavam mais dois homens... nunca os tinha visto antes; fui levada à força. Assim, me estupraram, fui massacrada e quase morta, melhor teria sido se me matassem. Tive um dos seios arrancados por um dos cães de um dos homens que me violentou; meu clitóris foi arrancado com uma dentada. Fizeram de mim, como se estivessem pegando um pedaço de carne e colocado num liquidificador, mas não me mataram, deixaram-me numa capoeira deserta impossível de me localizar ante ao meu estado insignificante. Antes de irem embora, todos eles vieram e urinaram em cima de mim. Eram três grandes cães, com focinheiras, iguais a bestas enfurecidas, cérberos e suas três cabeças. Eles os soltaram, coloquei meus braços contra meu rosto e me encolhi em posição fetal. Era impossível lutar com tanta força me atingindo: um arrancava não meu cabelo, mas a couro do meu encéfalo; o outro lutava para se desvencilhar dos meus braços, mas a força que me restou parou ali, não conseguiu; em contrapartida, como estava semi nua, uma voraz precisão de golpes atingia a parte de dentro da minha coxa esquerda. Aquilo durou, para mim, horas, mas sei que em questão cronológica não se passaram de alguns minutos, minutos no inferno.
 
Com a chegada da noite, não sei o que sentia, pois não era gente, sabendo de minha morte iminente, somente me concentrei em terminar essa última página para servir como meu Epitáfio. Como não tinha com o que escrever, não tive outra opção – peguei um pequeno osso de um dos dedos da carcaça de uma ave das muitas que ali existiam e moldei ao máximo que pude para pincelar estas últimas letras. Fiz um corte raso em meu punho esquerdo e comecei a escrever...
 
Só o que me lembro depois disso foi do gosto ocre na minha boca e o sol me queimando a pele. Quando fui ver em meu diário o que havia escrito, não consegui acreditar no que via naquelas páginas. À letra manuscrita perfeita, estilo medieval, com o meu sangue, assim estava escrito:
 
“Tu, infelizmente irás morrer, não há mais nada o que fazer agora, mas saibas que os corruptos que fizeram isso a ti, sofreram da mesma forma e estão todos mortos. Esperamos que isto possa lhe trazer um pouco de sossego a tua alma.”
D. D.
 
O diário foi resgatado horas depois, assim que foi confirmada a morta da garota, que, não possuindo endereço, nome verdadeiro, nem nenhum parentesco com pessoa alguma, foi enterrada num cemitério de uma tribo de origem africana que levou sua história para ser lida pelo mundo.
 
É isto pelo menos o que se diz no Diário de Ratratuzra, que não passa de um anagrama do nome de Zaratustra, personagem mais famoso da Obra do filósofo alemão Friedrich Nietzsche.

 
Agmar Raimundo
Enviado por Agmar Raimundo em 18/03/2017
Reeditado em 10/03/2018
Código do texto: T5945157
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