999-OS VIZINHOS - 2a. Parte

1-Meninas bonitas da família Bícego –

2-O Açougue, Totó e Carne Seca

3-Seu Zito, dona Maria, a pensão de bonitas garotas.

Do lado de cima de nossa casa, quer dizer, da casa de Tio Gordo estava a residência do “seu” Batista Bícego, e Dona Elisa. Muito idosa, miúda, cabelos brancos e o rosto ainda mais branco, durante as manhãs de sol sentava-se á porta da casa, fazendo crochê. Com eles moravam duas filhas (Nair, Aparecida) e um filho (Caetano), todos solteiros, alem de Geralda, serviçal negra muito educada e alegre. Era comum naqueles tempos as famílias de fazendeiros trazerem de suas fazendas meninas e mocinhas geralmente negras que eram criadas como membro da família, mas para fazerem serviços da limpeza de casa e ajudavam na cozinha

Era uma casa cheia de movimento, pois muitos netos viam das fazendas para freqüentar a escola. Lindas meninas de faces queimadas, muito tímidas que agente só via quando iam ou voltavam das aulas. De diversas idades, pois algumas com treze ou quatorze anos nos olhavam ”de cima” e nem se davam conta da nossa existência.

Ao lado da casa da família Bícego havia o açougue, um lugar não muito limpo, onde Seu Antonio e o ajudante Totó trabalhavam com as carnes de porco (recebidas e vendidas pela manhã) e de boi ou vaca, que chegavam por volta do meio dia. O açougueiro tinha cara de poucos amigos, sério, mais parecia um boiadeiro (talvez tivesse sido, nunca se sabia) e seus movimentos ágeis e hábeis com suas facas e machado (para cortar os ossos) me deixava de boca aberta, fascinado com a destreza.

Seu Antonio usava o quintal da família Bícego para estender as mantas de carne salgada, a fim de secá-las e vendê-las como “carne-seca”. Os urubus sentiam o cheiro da carne e apareciam em bandos. Então, era um tal de correr do açougue ao quintal para espantar as aves. Até que Totó, seu ajudante, bolou um sistema de alarme: uma cordinha que passava pela janela que havia no fundo do cômodo do açougue, presa a um sino pequeno, muito barulhento. Quando Totó ou seu Antonio viam a aproximação dos urubus, puxavam violentamente a cordinha do sino, que produzia um barulho de espantar qualquer pessoa, e inclusive os urubus.

Quanto a nós, garotos e garotas de sete e oito anos, começávamos a frequentar o curso primário. As meninas eram bem arrumadinhas, com os uniformes de blusa branca e saia azul, cabelos penteados para irem às aulas. Já os garotos, no geral, eram descuidados naturalmente. Estávamos mais interessados nos jogos de finca, nas bolinhas de gude e nos peões; em conseqüência, estávamos sempre com as mãos sujas, despenteados e rostos afogueados.

Além das brincadeiras ainda infantis de meninos, nossas conversas incluíam alguns comentários sobre elas.

— Cê viu a Lucinha? Outro dia pedi prá voltar com ela da escola, mas ela nem me respondeu.

Ou:

— A professora me pôs de castigo só porque eu olhei prá Imaculada... eu ia pedir a régua emprestada e...

As netas de Dona Elisa, por terem sido criadas na fazenda, eram tímidas, mas nem por isso menos bonitinhas do que as outras garotas da cidade. Em diferentes das meninas da casa de Seu Zito e Dona Maria, que vinha a seguir.

Seu Zito tinha um empório na esquina da rua numa casa muito grande, na qual Dona Maria mantinha uma pensão para meninas de Itamoji: Olguinha, Nezita, Martinha, Cida e Rosangela. A esquina era nosso ponto predileto de reunião para jogar conversa fora ou trocar e emprestar gibis. Ficávamos por ali, próximo das portas do empório do seu Zito, homem muito afável e que gostava de contar piadas inocentes ou fazer “truques” que deixava-nos embasbacados.

De vez em quando vinha uma menina lá do interior da casa e a gente olhava disfarçado. As meninas eram amigáveis e enturmavam com nós, garotos, para jogar peteca no meio da rua. Depois das cinco horas, quando todos já tinham feitos os deveres de casa passados pelas professoras. A rua era nossa, pois raramente passava algum carro ou carroça e jogávamos até escurecer, quando não era mais possível ver a peteca.

Os dois filhos de Seu Zito e Dona Maria já eram rapazes, de 17 e 18 anos, freqüentavam o ginásio e não se misturavam com nós, os garotos. E tinham eles suas habilidades: Cido gostava de cantar músicas de Bob Nelson, imitando os caubóis dos filmes de faroeste. Ele cantava tão bem que participava de programas de auditório da Radio Difusora. E Geraldo tinha um aparelhinho que chamava de rádio galena, com o qual escutava as estações de rádio com fones dependurados nas orelhas. . Era um mistério para nós, que ele jamais nos explicou.

Entretanto, para falar a verdade, ali na vizinhança o bom mesmo era trocar gibis, jogar bafo, peteca e ficar de olho nas meninas do quarteirão.

ANTONIO ROQUE GOBBO

Belo Horizonte, 7 de fevereiro de 2017.

Conto # 999 da Série 1OOO HISTÓRIAS.

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 14/03/2017
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