997-INCIDENTE NA CHINATOWN - Viagens

Estavam como que perdidos na noite de Chinatown, em San Francisco: Jorge e esposa Lení, Eduardo e Clarisse, sua mulher. A rua principal é feéricamente iluminada pelas luzes das vitrinas, dos grandes letreiros de néon e por cordões de lâmpadas que cruzam a rua, dependurados à altura do segundo pavimento. Diversos músicos (saxofonistas, na maioria) tocam por poucos centavos atirados pelos passantes.

Clarisse olha com atenção as raridades na vitrina.

— Quero comprar um objeto bem típico. De preferência uma coisa rara. —

Entram todos e começam a perguntar por preços. Descobrem quase que por acaso que as raridades exibidas na vitrine são apenas amostras de milhares de exemplares que lotam as prateleiras no sub-solo.

— Ainda bem que não cheguei a comprar nenhuma dessas raridades.

Enquanto esperam no Fung-kow Restaurant o atendimento dos pratos pedidos, conversam banalidades.

— A cozinha chinesa foi a primeira cozinha global. — Eduardo explica, viajado que é. — Existe muito antes das lojas de fast food do MacDonald’s ou da Pizza Hut. Em qualquer lugar do mundo, os pratos têm o mesmo sabor.

—E com a conveniência extra: podem ser pedidos pelos números que, nos cardápios, antecedem os nomes dos pratos, escritos geralmente com os incríveis e incompreensíveis ideogramas orientais. — Clarisse complementa a informação.

Estão freqüentando curso de inglês para estrangeiros de quatro semanas na escola ELS – English Language for Strangers — e é natural que a conversa gire em torno do curso.

— É muito difícil entender o inglês falado pelos chineses. — Diz Jorge.

— E também não se compreende o inglês dos negros. É como se fossem dialetos. — Comenta Eduardo.

— Os chineses trocam o r pelo l .— diz Lení. — E vice versa.

— Falam como o Cebolinha. — Ironiza Clarisse.

— E, além disso, têm uma maneira tão... tão servil. Parece que estão sempre se desculpando. — Observa Eduardo.

Saem do restaurante quase duas da madrugada.O movimento de pessoas continua intenso. Dirigem-se para o portal que enfeita a entrada do bairro, quando Eduardo notou um movimento estranho num beco escuro, à nossa esquerda.

— Escondam-se! Tem gente brigando ali!.

Por precaução, os quatro se escondem no desvão de uma porta. No meio do beco, dois homens se atracam. Não dá para saber se é briga ou assalto. Enfrentam no escuro, mas pode-se notar que um deles é chinês e o outro, negro.

Num determinado momento, o chinês desferiu um golpe certeiro no plexo solar do adversário, que tombou ao chão. Jorge fica apavorado quando o “vencedor” da contenda se encaminhou na direção do grupo.

Chega até os dois casais e, à uma distância de dois metros, se pôs numa posição ereta, os pés juntos, as mãos postas à altura do peito, inclinou a cabeça e falou com o sotaque típico:

— Ai ême sóli. Ai ême sóli.

E se afastou, sumindo na escuridão do beco.

Tentando nos recuperar do susto, os quatro saem das sombras. Clarisse pergunta:

— Que foi que o chinês falou? Não entendi nada.

Augusto explica para a esposa:

— Ele disse: I am sorry, I am sorry.

E Leni imediatamente traduziu:

— “Sinto Muito. Desculpem-me”.

ANTONIO ROQUE GOBBO

Belo Horizonte, 08.Novembro.2016

Conto # 997 da Série MILISTÓRIAS

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 14/03/2017
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