A velha chaleira de ferro.
O fogão à lenha a chaleira de ferro em ebulição. Na beira do fogão um suporte sustentava o coador feito do pano branco do saco de açúcar. Sobre o coador a chaleira despejava suas lagrimas fumegantes sobre o pó preto do puro café do quintal. O aroma se espalhava pelo caminho da roça. Era o café da preta Sinhá no fim da tarde. Ainda posso vê-la com lenço branco a cobrir a cabeleira cinza, ela sabia que era a hora do Ângelus e entoava a Ave Maria com voz rouca, que tenho guardada ainda comigo.
Um aceno de mão era convite para um café com um bolo feito enrolado na folha da bananeira e adoçado com a rapadura feita ali no terreiro. Eu sempre aceitava a ouvir mais uma de suas historias de tempos passados, que ela descrevia com riqueza de detalhes, que me faziam adentrar no túnel do tempo, para lhe compreender e reviver cada emoção que seus olhos já cinzas traduziam em saudosismo.
Era assim todas as tardes na minha volta para casa, com meu corpo cansado da labuta diária aquele café era analgésico e suas conversas me colocavam num banco de escola sobre historias, que a escola me negava. Não via lagrimas em seus olhos, nem mesmo um sopro de ódio de todas as injustiças e maldades sofridas numa época de servidão. Seu sorriso escondia todas as mazelas, como arte de não se entregar a nenhum tipo de angustia. A velha Sinhá tinha arte de refazer sua alegria.
Mas logo o véu negro da noite cobria a serra ao longe e Sinhá Preta já preparava a lamparina a querosene, seguida por um gato rajado que enroscava em sua perna enquanto andava. Eu observava cada detalhe desta senhora de olhar calmo e que adorava contar historias. Uma Lua deixava cair seus raios sobre a roça. Olho para o meu caminho e ela com um sorriso entendia minha despedida. Levava a mão direita sobre minha testa balbuciava alguma forma de benção.
Mas um dia não havia mais fumaça branca na chaminé, nem o aroma de café pelo ar e meu aceno de mão ficou parado no ar.
Dona Sinhá partira.
Toninho.