Dois desejos
Dois desejos, mil perguntas - I know we could be so happy baby -
O ônibus foi se aproximando da rodoviária e Mari, ansiosa, recolheu a sua bagagem de mão e se preparou para descer antes mesmo que o veículo parasse. Ela desceu rapidamente as escadas e sorriu ao ver quem lhe esperava.
Ele estava lá, encostado numa parede, confortável, como se fizesse parte do local.
Mari se aproximou, rapidamente, mas ele apenas se desencostou e lhe deu um abraço, depois um beijo nos lábios.
- O ônibus não se atrasou hoje.
- A pista estava livre e o motorista correu como um doido.
- É bom que sobra mais tempo para nós dois.
- Eu tenho que ir pra casa logo.
- Tem tanta pressa assim, Mari? – Disse sorrindo.
Mari estava cansada, e seus pais logo ligariam para saber se havia chegado, mas era difícil negar um pedido dele... era realmente difícil.
Assim ela cedeu e se deixou levar até uma parte mais escondida da rodoviária, onde os dois tinham certeza de estarem sozinhos.
Ele logo a encostou na parede e Mari largou suas coisas no chão.
O tempo pareceu desaparecer, enquanto ele a beijava e sua mão corria pelo pano do vestido, tateando cada curva do seu corpo. Muitas coisas lhe passavam pela cabeça enquanto estavam juntos. Frequentemente sua mente voltava para o primeiro encontro, para as primeiras impressões que tivera dele, aquela aversão que ela não sabia de onde tinha surgido, mas que logo foi substituída por curiosidade e por desejo... e depois o primeiro beijo, os primeiros amassos, e o primeiro “quase”. Mari sabia que ele odiava, mas não era raro os dois terminavam no meio do caminho, sem que ela permitisse que os seus desejos se consumassem... Tinha muita coisa incompleta entre os dois. Mas nada que verbalizassem.
Ele a arrancou de seus pensamentos quando sua mão rapidamente desceu e levantou um pouco o seu vestido. Mari o mordeu levemente na altura do pescoço, para esconder um gemido.
Ele pareceu gostar, mas enfim sossegou, antes que ela tivesse que interromper tudo.
Por alguns minutos, os dois ficaram abraçados, com as respirações ofegantes quase que sincronizadas.
Seu telefone tocou, e interrompeu o momento. Mari pegou o celular do bolso e viu que era sua mãe que queria saber onde ela estava. Respondeu laconicamente enquanto ele olhava para o chão e acendia um cigarro.
Os dois caminharam até a saída da rodoviária sem falar uma palavra sequer.
Ao chegar em um taxi parado, ele abriu um sorriso amarelo e beijou-a no rosto.
- Posso te ver amanhã?
- Onde você quer ir?
- Podemos nos encontrar na minha casa.
Mari ficou pensando se aquela seria uma boa ideia... mas não tinha nada melhor para fazer com o tempo que passaria em sua cidade.
- Pode ser. – Mari disse enquanto entrava no táxi.
Ele sorriu e acenou com a cabeça. Nem sequer esperou o táxi partir, virou de costas e tomou o rumo do seu ponto de ônibus, caminhando com sua postura de roqueiro adulto jovem que tem todas as respostas que precisa na palma da mão.
Mari sabia que nada daquilo era verdade. Ele era um rapaz perdido como outro qualquer, tentando sobreviver e crescer no meio da loucura que era ter vinte e poucos anos.
Era como se os dois vivessem num campo minado, cada passo que davam poderia significar o fim de tudo. Tanto que às vezes se antecipavam a isso e davam o caso como encerrado antes mesmo de um fim oficial. Mas os meses passavam e terminavam nos braços um do outro, angustiados, apaixonados e ainda assim assustados demais para conversar sobre o que sentiam.
Mari não sabia se era uma questão de maturidade, de idade ou simplesmente de incompatibilidade de seus gênios e personalidades. Seus corpos, no entanto, contrariando tudo, se atraiam e se encaixavam de uma forma que sempre a desconcertava , e como uma viciada, ela se via repetindo os mesmos erros, as mesmas brigas, sempre seguidas de longas horas febris de corpos entrelaçados e palavras sufocadas pelo desejo.
Ela se perguntava até quando aquilo ia continuar... mas como sempre, continuava sem respostas... e algo lhe dizia que ficaria assim ainda por muito tempo.