Vidas Secas

Endurecido há algum tempo estava de pele e alma, sem gosto até para coçar a barba, ajeitar os óculos e espantar a coceira do nariz.

O sentido receptivo do corpo, aquele poroso da esponja para o prazer, nem se lembrava mais.

Bebia a talagada de uísque sem gelo na mesinha dos fundos no antigo bar da rua 12, que permanecia sentado por mais de duas horas, sozinho.

Ohando para o nada foi tocado abruptamente por alguém que o esbarrou quando passava no corredor entre as mesas.

Saindo do estado parasita, olhou sem espanto, era mulher de idade madura, não chegava a beleza que seus olhos e maos pediram um dia para troca de afeto e satisfação dos desejos, mas o tocou pela expressão pontual do feminino pronto que irradiava dela.

Num lapso o instinto observador do homem perito no olhar clínico no feminino, que habitava no subsolo da alma, quis reagir, sem justificativa aparente.

Começou pelos pés da mulher, calçava sandálias marrons, saia e blusa combinando, nada expressivo mas chegava nele alcançando sua alma com mãos de veludo.

Quando dirigiu seu olhar para as mãos dela observou como eram definidas, os traços das veias que destacavam delas, como braços de rio vistos do alto seguindo o mesmo canal de correnteza rumo ao oceano. Seus olhos lacrimaram discretamente.

A mulher pediu algo, sem notar a presenca distante do homem observador. Daí alguns instantes foi entregue o pedido, percebeu que uma vez voltado os olhos para a bebida no copo, não retirou os mais, que mexia com uma colher algo parecido com batida.

Fez foi beber de uma só vez o resto do uísque que estava no copo, pediu outra dose, fazendo sinal ao garçom, que imediatamente dirigiu até a mesa do cliente enchendo o copo, se retirando.

Entre mexer o líquido no copo e beber a anônima a bebida, se mantinha imóvel, movimentava somente a cabeça, olhava vez ou outra em direção a porta de entrada, parecia aguardar a chegada de alguém.

Coçou a barba crescida, se condoeu com a aparência aflitiva da mulher, teve vontade naquele instante de levantar de onde estava e pegar a mulher nos braços, dar o que lhe faltava, atenção, afeto, cama preparada.

Ela, depois de várias olhadelas entristecidas à saída do bar, levantou os olhos novamente, mudou a expressão levemente deles, não de entusiasmo, mas do final do estado aflitivo que estava.

Aproximou um homem até a mesa, sem pressa, num cumprimento formal, sem os aditivos das justificativas de quem estava atrasado.

Ficaram por um período de tempo mudos enamorando cada um seus copos de bebidas.

Daí algum tempo saí o casal, como dois mortos vivos sabe lá pra onde, juntos e separados.

Terminava nestas alturas com a décima dose de uísque, encerrou pagando a conta e arrastando o corpo até o carro, seguiria para casa.

Márcia Maria Anaga
Enviado por Márcia Maria Anaga em 05/03/2017
Código do texto: T5931608
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