978-MARAVILHOSOS SONHOS DE GULOSOS

Padre Ranzine jamais conseguira se livrar do pecado da gula. Pecado que compartilhava com o sacristão Zé Novelinha e com o Dito Jereba, encarregado da limpeza da igreja. Viviam juntos na velha casa paroquial e, pelo habito comum de comer sem medidas, os três eram igualmente gordos, pançudos e roliços. De nada valiam as exortações do padre aos seus auxiliares, se ele mesmo não praticava a moderação no comer.

Astuto, o padre vivia criando situações nas quais ele sempre ficava com a parte melhor nas cestas de quitandas e doces que recebia diariamente. Com relutância, repartia o conteúdo das oferendas, ficando sempre com a melhor parte.

Um dia, Dona Sinhaninha mandou um queijo fresco, uma peça pra mais de quilo e meio. Feito de queijo de cabra, exalava um cheiro apetitoso, ainda soltando soro, uma coisa especial. Ante os olhares gulosos de Zé Novelinha e Dito Jereba, o padre imaginou um ardil.

— Não vamos comer este queijo hoje, não. Amanhã de manhã a gente come no café. Ah! Vamos fazer o seguinte: hoje de noite, vamos sonhar, e quem tiver o sonho mais bonito fica com o queijo inteirinho.

— Quem sonhar mais lindo tem o queijo todo, sem precisar repartir com ninguém? — Zé Novelino não acreditava e pedia confirmação.

— .Sim, respondeu o padre. Não precisa repartir com ninguém.

Os dois auxiliares não tiveram escolha. E cada qual foi dormir desejando ter o sonho mais lindo, para ficar com o queijo. No dia seguinte, bem de manhã, antes mesmo da missa das sete, os três conversaram sobre seus sonhos.

— Tive um sonho maravilhoso. — Foi adiantando o padre. — Sonhei que havia uma escada maravilhosa que ia da terra até o Céu. Em cada degrau havia anjos, vasos de flores, e eu subindo pela escada, ajudado pelos anjos, que me davam a mão, e cantavam ladainhas harmoniosas. E São Pedro lá estava, no topo da escada, com outros santos, sorrindo, acenando para mim, esperando que eu chegasse no topo da escada, para minha entrada triunfal no Céu.

— Pois eu tive um sonho mais lindo do que este. — Retrucou o sacristão, a seguir. — Sonhei um sonho parecido com o sonho de vossa reverência. A escada era a mesma, os anjos, as flores, a música, tudo igual ao seu sonho. E lá estava eu, ao lado de São Pedro, esperando que o senhor, padre, chegasse até nós. Nunca vi coisa mais maravilhosa na minha vida.

Chegando a vez de Dito Jereba, este, meio sem jeito, contou seu sonho:

— Olha, estou até meio confuso, porque não sei se foi sonho, visão ou realidade. Pois meu sonho também foi como o do padre e o do sacristão: era aquela escada maravilhosa, São Pedro lá em cima, o padre subindo por ela e o sacristão lá em cima, esperando o padre, tudo uma coisa lindíssima. Mas tinha alguma coisa errada. Então eu percebi que tinham esquecido o queijo aqui em baixo. Então comecei a gritar, chamando: Padre! Excelência! Zé! Escuta aqui! Oceis esqueceram o queijo aqui em baixo. E então, o padre chegou no topo da escada, abraçou o sacristão. Aí, oceis dois, olhando pra baixo, rindo muito pra mim, disseram: Estamos no Céu, Dito, e aqui está tão bom, estamos muito felizes, pode ficar com o queijo pra você. Intão em acordei, saí daquela visão e fui logo passando a mão no queijo e comi ele tudinho.

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ANTONIO GOBBO

Belo Horizonte, 1 de agosto de 2006

Conto # 978 da Série Milistórias

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 28/02/2017
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