975-APAGÃO EM NOITE DE NÚPCIAS-Humor
Gêmeas vitelinas, Diana e Liana eram iguais em tudo. Loiras, olhos azuis e tez clara, a distinção entre uma e outra era difícil até mesmo para o pai. A mãe, não. Sabia quem era Diana e quem era Liana, sem ver a pequena mancha escura no ombro direito de Liana. A mancha era pequena e a pele lisa, sempre protegida (ou escondida) pelas roupas, também sempre iguais.
Tornaram-se lindas moças e não tiveram dificuldade em arranjar namorados. Os namorados, entretanto, eram tão diferentes entre si quanto as gêmeas eram idênticas.
Antônio Maria era recatado, de fala mansa, calmo e religioso. Muito religioso: ia à missa todo santo dia, antes de dirigir-se ao trabalho no escritório de contabilidade, comungava todos os domingos, não perdia a benção do Santíssimo, procissão ou qualquer evento da igreja. Gostou de Diana
Juca Brito era malandro, desbocado e vivia de bicos e biscates. Viajava constantemente e estava sempre com as novidades na ponta da língua. Com seu jeito largado, conquistou a admiração de Liana.
Conheceram-se numa festa do padroeiro da cidade, entre as barraquinhas da quermesse, depois da novena em louvor a São Roque, pelos meados de agosto. No começo, houve certa confusão, pois Tonho e Juca não distinguiam, dentre as namoradas, quem era quem. Até que, mais afoita, Liana falou da mancha em seu ombro, e quando se encontravam, levantava a manga da roupa, exibindo pudicamente a mancha e desfazendo a confusão.
Namoro e noivado correram dentro dos usos e costumes da pequena cidade. Com pequenas diferenças, devido às personalidades dos moços. Tonho e Diana namoravam recatadamente, jamais tinham intimidades e ficavam sempre à vista dos pais da moça. Juca, entretanto, levava Liana para debaixo da grande amendoeira, cuja sombra noturna os protegia de olhares indiscretos, e trocavam carícias e beijos. Aconteceu mesmo de Juca “ter comido o lanche antes do recreio”, como se dizia. Mas, felizmente Liana não ficou grávida.
Marcaram os casamentos para o mesmo dia e hora, e reservaram, para a noite de núpcias, quartos num mesmo hotel de Poços de Caldas, que distava de São Roque da Serra apenas algumas horas de carro.
Após a festa, viajaram no carro alugado do Manoel Fordinho. Chegaram ao hotel, desceram as malas, e fizeram o registro de entrada. Quando subiam a elegante escadaria de acesso ao segundo andar, eis que as luzes se apagam. Uma escuridão total em todo o hotel.
— Cuidado com os degraus, Liana. — Avisou Juca.
— Diana, pega na minha mão. — Pediu Antonio Maria.
Estavam ansiosos para chegarem aos respectivos quartos e não notaram que houve uma troca de noivas (ou de noivos, como queiram). No escuro, ninguém notou. Ou melhor, Liana notou sim. Trancada a porta e aproximando-se do rapaz, sentiu, pelo cheiro e pelo jeito, que não era seu homem.
— Olha, Tonho, preciso lhe falar que...
Tonho, pensando que a moça estava temerosa pelo que viria, procurou acalmá-la:
— Não, queridinha, não fala nada não. Olha, vamos esperar a luz acender antes de a gente fazer qualquer coisa.
— Mas, Tonho....
— Shiii. Fique calma. — Fez Tonho. — Olha, enquanto a luz não vem, vou ajoelhar aqui ao lado da cama e rezar um pouco.
Quando a luz voltou, Antônio Maria olha para a moça, que estava ao seu lado. Levantando a manga do vestido, descobriu o ombro direito e mostrou a marca de nascença.
— Veja, Tonho. Eu sou a Liana, noiva do Juca. No escuro do corredor, fomos trocadas. Quis falar antes, mas você não deixou
— Ainda bem eu fiquei rezando aqui. Graças a Deus descobrimos a tempo. Vamos bater na porta do quarto do Juca e fazer a destroca.
Assim fizeram. Juca demorou a abrir a porta, estava já de pijama, todo despenteado.
— Juca, nossas noivas estão trocadas. — Explicou Tonho. — No escuro, não deu pra ver, mas agora viemos destrocar.
Um lampejo de malícia brilhou nos olhos de Juca.
— Tá bem. — E chamando a moça que estava na cama: — Diana, vem aqui que o Tonho quer destrocar.
Diana apareceu, queixosa:
— Eu bem que lhe falei que eu sou a Diana, você não acreditou...
— Tá bom, tá bom. — Apressou o Juca. — Vai com o Tonho.
Acertaram-se os casais. Liana entra para o quarto com Juca, Tonho e Diana vão para seu quarto. Tonho, muito sem graça com toda a situação, explica para Diana que nada acontecera entre ele e Liana.
— Sabe, ela tava com medo, e então eu resolvi esperar a luz acender. Fiquei rezando o tempo todo e...
Diana, tentando arrumar os cabelos e a camisola, interrompeu o noivo:
— É, mas ocê conhece o Juca. Ele não ficou rezando não....
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ANTÔNIO GOBBO
Belo Horizonte, 6 de julho de 2006
Conto # 410-A da Série Milistórias