SEU JOSÉ DECIDE PARTIR
SEU JOSÉ DECIDE PARTIR
Seu José era um Senhor, sessenta e poucos anos, alto, bem encorpado, italiano forte no corpo e no sotaque, teimoso que só!
Já aposentado e com os filhos criados, passava parte das manhãs e parte das tardes em um bar que chamavam de BBB, barbeiro, bebida e baralho. Barbeiro porque o dono do bar atendia também a uma barbearia no interior do bar, entre a venda de um “martelinho” e outro, cortava cabelos e fazia a barba dos fregueses.
O segundo B era de baralho, ali os aposentados reuniam-se para jogar pontinho e gastarem o tempo livre. O terceiro B era de bebida, pois junto com o baralho não faltavam cervejas, pingas e vinhos.
O grupo tinha horário marcado. Quando um dos participantes do grupo de baralho se atrasava ou faltava, todos ficavam revoltados, faltava-lhes um parceiro, as duplas consolidaram-se com o tempo.
Seu José era casado com D. Eugênia, mulher enfezada, italiana de faca na bota, como denominavam as mulheres deveras bravas. Ela era bem baixinha, mas sua força estava na língua! Quando saia do eixo, ninguém suportava a ira e a tamanha tagarelice. Só ela tinha razão, seu pior defeito já sabido por todos era o de aumentar os causos, exagerava em tudo.
D. Eugênia era obcecada por faxinas e nas sextas-feiras varria quem passasse seu caminho, bufava e reclamava das rotineiras tarefas domésticas.
A italiana enfezada tinha uma indignação em relação ao BBB. Não se conformava em saber que o marido passava os dias a jogar e a beber enquanto ela a trabalhar: cozinhava, passava, limpava, enquanto ele chegava direitinho na hora do almoço já com a pinga a demonstrar sua presença na corrente sanguínea.
D. Eugênia eclodia em desaforos:- Um dia deixo deste homem! Ele vai ver! Vai chegar a casa e não me encontrará mais! Porém ela não tinha pra aonde ir. Os filhos, acostumados com a situação nem ligavam mais.
Ela não se conformava com a pinga que não deixava Seu José sóbrio. Ela sentia-se envergonhada porque muitas foram às vezes em que conhecidos recolhiam-no na rua e entregavam-no em casa. A cidade toda os conhecia e a população respeitava e gostava de S. José. Todos cuidavam um pouco dele. Mas os frequentes tombos pelas calçadas preocupavam e irritavam D. Eugênia. Ela não batia nele porque era muito pequena e tinha medo, também se preocupava com a saúde e com os riscos iminente de acidentes.
Uma noite S. José chegou trançando as pernas e a briga se instalou grandiosamente pela casa e continuou até o amanhecer. Mas o homem era orgulhoso por demais e não admitia ser xingado pela mulher, afinal ele era o provedor! Bebia mas pagava as contas!
Mas D. Eugênia, com as ventas em polvorosa apelou para a masculinidade do marido, ofendeu-o naquela parte mais vulnerável dos machos: a comprometida sexualidade dos bêbados. Aí ele não aguentou. Fez as malas.
Às sete e meia da manhã, estava o homem bem macho e decidido, na parada do ônibus, sentado com uma mala ao lado. As pessoas passavam para dirigirem-se ao trabalho e disfarçavam o sorriso: - Bom dia, S. José! Mas ninguém ousava perguntar nada!
Então passou rapidamente de carro pela parada de ônibus um dos três genros de S. José. Avistou-o naquelas condições humilhantes e vexatórias para toda a família, parou, colocou ele e a mala no carro e levou-o para a casa dele e também da filha de S. José.
Sua filha, Teresa, passou a escutar um rosário de reclamações contra a esposa, mãe dela, durante dias a fio: Não tinha consideração com ele, tratava-o mal, desprezava-o, fazia pouco caso, ele nem bebia muito! Por que ela era tão intolerante com ele? Parecia o homem mais injustiçado, carente e vitimado do mundo.
A filha ajeitou um quartinho que havia na área de festas, pensando que seria por apenas aquele dia e que ele voltaria para casa à noite.
Aconteceu que ele gostou de ficar por ali. Acordava, tomava seu chimarrão, saia para o BBB, retornava na hora do almoço meio mamado, dormia um pouco após o almoço, saia de novo; ninguém reclamava, pois a filha, o genro e os netos ficavam praticamente o dia todo fora de casa e ele contava com a cumplicidade da funcionária da família que o enchia de mimos e dava-lhe razão, mais para agradá-lo do que por achar que ele tinha mesmo razão. Ele compensava o carinho dela com alguns trocados e uma carteira de cigarros vez por outra.
Passaram-se duas semanas e ele ali. A filha conversava tentando convencê-lo a voltar para casa. Mas ele não queria saber!
–Só volto se ela vir aqui me buscar e pedir-me desculpas!
Por outro lado, D. Eugênia dizia: - Eu pedir desculpas? Por que será? Eu não fiz nada, quem faz fiasco é esse veio sem vergonha!
A família da filha estava num beco sem saída, a presença de S.José já estava interferindo na rotina da casa, estavam todos constrangidos com as atitudes dele, e temiam que ele ficasse para sempre, assim bem à vontade.
As tentativas continuavam, de um lado tentavam convencer ele a voltar, com muito tato, pois ele era desconfiado e se ofendia facilmente. Por outro lado, tentavam convencer D.Eugênia a vir buscá-lo. Nenhum deles cedia e a batalha de orgulhos continuava.
Então, um dia D. Eugênia recebeu um telefonema informando que o irmão mais velho de S. José viria visitá-lo junto com a família, eles moravam em outro estado e chegariam no dia seguinte.
D. Eugênia pensou: - E agora? Que vergonha? O que vão dizer? Eram italianos orgulhosos e não admitiam expor a fragilidade do casamento que seguravam a trancos e barrancos há quarenta e tantos anos.
A esposa sempre fazia tudo para demonstrar à sociedade que viviam em perfeita harmonia e enchia a boca para dizer que sua família era perfeita, se gabava para as amigas, ia à igreja, participava do grupo de orações, das atividades da comunidade, possuia uma mesa cheia de santos e imagens sacrossantas Decidiu ligar para o marido convidando-o a voltar, explicou a situação, contudo ele mostrou-se irredutível, disse-lhe que só voltaria se ela pedisse perdão, caso contrário contaria tudo para seu irmão e iria embora com ele para outro estado.
E, ela que dependia financeiramente dele e emocionalmente das convenções sociais pediu perdão e levou-o de volta para casa, preferiu humilhar-se e render-se do que enfrentar o próprio preconceito de separar-se e seguir a vida sem o marido.
S. José com o peito estufado e um sorrisinho maroto nos cantos dos lábios caminhava ao lado dela com o braço em volta do ombro da pequena senhora como a demonstrar a todos a total dominação e posse sobre a mulher a quem fazia questão de repetir que era ele quem mandava, pois a sustentava e não deixava faltar nada dentro de casa!