O pesadelo de Santino

Santino lembrou da fome e do dia que acreditou ser o último dia de sua vida. Não havia chão melhor para morrer que não fosse aquele feito da terra de onde nasceu. O sol roubou do inferno todo o calor e com ele resolveu purgar os pecados do lavrador. Desmaiou e a última coisa que lembra era a enxada que empunhava e o azul nervoso sem nuvens que o cegava de tão claro. Caiu com o queixo na ponta do cabo da ferramenta, nem sentiu o dente quebrar. Acordou num posto de saúde, achava que estava no céu, aquele povo todo de branco rindo da sua magreza e da catinga de cebola velha. Sentiu cheiro de cigarro, notou que vinha do jaleco do médico. Vomitou e levou bronca por isso, pediu desculpas com muita humildade. Não fazia ideia de quanto tempo estava ali, dias depois disseram que estava curado e podia ir embora, assim o fez. Na rua se espantou, ali não era o seu sertão. Janelas, concreto, edificios que sufocavam a luz do dia, pontes, viadutos, gente que vinha, gente que ia, ninguém se olhava, todos tinham uma direção. Lembrou que não sabia como foi que veio parar ali. Pensou em voltar ao posto de saúde mas este já estava fechado. Então andou por ali, notou que as esquinas não se repetiam embora fossem muito parecidas. Santino continuava a lembrar da fome que sentiu antes de escurecer as vistas, antes de anoitecer. Quem dera morrer de novo, não perguntou a ninguém o nome daquele lugar, tinha medo da verdade, daquilo que pudesse ouvir. Deitou-se na calçada de uma rua deserta e mal iluminada, procurou dormir e desejou acordar em outra paisagem.

daniel mafra
Enviado por daniel mafra em 11/02/2017
Código do texto: T5909752
Classificação de conteúdo: seguro