O IMPOSTOR

A primeira vez que Eugenio fingiu ser outra pessoa estava na fila do banco. Era uma manhã calorosa, quinto dia útil e, portanto dia de pagamento, a fila do caixa nunca andava e ele olhava de um lado a outro na esperança de conversar com alguém pra passar o tempo, mas aparentemente ninguém queria saber de jogar conversa fora, ao menos não pessoalmente, pois alguns estavam no celular numa frenética e ansiosa troca de mensagens, enquanto outros se fechavam num mundo particular de fones de ouvido. Foi nesse momento de tediosa e rotineira solidão de seus 45 anos que um rapaz de aproximadamente 30 anos inadvertidamente o “reconheceu”:

_ Tô te reconhecendo de algum lugar! Você não é o Carlos?! Rapaz, você engordou! – disse o jovem abrindo um sorriso.

Eugenio por alguns segundos considerou a confusão e se era mesmo com ele que o rapaz falava. Estaria sendo confundido com alguém? Dizem que toda pessoa tem pelo menos sete sósias espalhados pelo planeta. Talvez o seu estivesse mais próximo do que imaginava. Provavelmente um pouco mais magro. Antes de responder ele se perguntou que mal faria alguns minutos de conversa pra ver se acelerava a fila. Além disso, o rapaz pareceu simpático e tão alegre por encontra-lo que seria uma desfeita destruir a ilusão do moço que certamente ficaria constrangido pelo engano. Entretanto o que mais pesou na sua decisão de levar a farsa adiante foi o fato de que Eugenio há muitos dias não tinha realmente uma conversa com alguém. Suas interações sociais se limitavam a formalidade do “bom dia” e “boa tarde” trocados com a vizinhança que demonstrava pouco interesse sobre sua vida de viuvez precoce. Ele decidiu retribuir o sorriso e achou melhor não falar nada e deixar que o outro conduzisse a conversa.

_Lembra-se de mim? Eu sou o Gustavo. Nós trabalhamos juntos faz o quê? Uns cinco anos?

Eugenio sem ter muito o quê dizer, voltou a sorrir e confirmou:

_Mas é claro. E você o quê tem feito da vida?

_Então. Você sabe que eu saí de lá, né? Eu na época já fazia faculdade e agora dou aula numa academia. Sou personal-trainer.

Eugenio atestou que fazia sentido pela boa forma do ouvinte e sua camiseta de academia.

_Nossa! Fico feliz por você! – reparando na aliança reluzente no dedo do rapaz acrescentou: - E sua esposa, como está?

_Ela está bem. Ela tem pensado em voltar a trabalhar. A minha filha já está com seis anos, você acredita! Já tá indo pra escolinha. Espera! Vou te mostrar uma foto.

O rapaz sacou o celular e mostrou na tela com evidente orgulho a foto de uma garotinha loira e banguela.

Eugenio sorriu novamente e afirmou um clichê: _ Como passa rápido o tempo, não é?! Quando você vê os filhos já estão todos crescidos; embora ele próprio não tivesse a experiência da paternidade. Jamais teve filhos.

Por alguns minutos continuaram conversando amenidades. O rapaz num quase monólogo relembrava os bons tempos e os velhos colegas de serviço enquanto Eugenio acenava com a cabeça concordando e vez ou outra falando “Pois é”, “Não me recordo muito bem”, “É mesmo” e distribuindo sorrisos para o falante. As pessoas adoram falar sobre si mesmas e isso facilitou para Eugenio manter as falsas aparências e a conversa em terreno seguro.

Devido à conversa animada pareceu que se passaram poucos minutos, a fila finalmente andou e logo ambos se despediram dizendo “Tudo de bom”, “Mande lembranças”, “Foi bom te reencontrar”.

Depois dessa primeira e bem sucedida experiência Eugenio pegou gosto. Era bom sentir-se querido e parecer ter uma vida interessante. Já se passaram 10 anos de conversas aleatórias com gente desconhecida que acreditava reconhece-lo de um curso, de um emprego, de uma vizinhança. Já fingiu ser Afonso Antônio, Thiago, Wesley, Gilson, entre tantos outros. Obviamente não tinha tantos sósias assim, mas acreditava ser uma sorte ter um rosto “tão comum e tão brasileiro” de modo que pareça simpático aos outros e por isso mesmo atraia as pessoas para uma boa conversa. Em todos esses anos já tinha conversado sobre livros e filmes que jamais leu ou assistiu e que só tinha acompanhado as resenhas pelo jornal; falado e até mesmo dado dicas de viagem sobre lugares que nunca visitou e só conhecia por fotos de revistas e vídeos da internet. Enfim, com o tempo Eugenio quase se especializou na arte da dissimulação para aplacar sua solidão e ser notado em sua vida insignificante. Não diria que é um vicio, mas certamente um prazer e ele não via problema em ludibriar as pessoas, correspondendo as expectativas, afinal elas pareciam querê-lo tão bem. E é fato quase ninguém se vê pessoalmente hoje em dia. Cada pessoa atribui a si as urgências do mundo e carregam culpa por não serem capazes de equilibrar as diversas demandas com uma vida pessoal saudável. Esses encontros apaziguavam a culpa do ouvinte por se afastar dos amigos. Melhor assim.

Outro dia conversou com uma desconhecida no parque enquanto passeava com o cachorro. Ela iniciou:

_Oi! Nossa, há quanto tempo! Que bom te ver! Resolveu voltar aqui pra cidade?

Já habilidoso no improviso ele atendeu a simpática senhora que parecia ter uns 45 anos. Alguns minutos de conversa com perguntas e respostas abertas e ela comentou:

_Eu estava vendo na internet esses dias algumas fotos do casamento da sua filha.

_ É. Ela encontrou um bom rapaz.

A mulher sinalizou pela expressão facial o estranhamento com a fala do homem:

_ Rapaz? Não foi com uma moça que ela se casou?!

O homem meio acanhado arrematou com seu pensamento rápido e experiência de anos de inocentes mentiras:

_Sim, claro. É que a esposa de minha filha é transexual e tem horas que eu me esqueço e acabo tratando ela como homem.

Ufa! Essa foi por pouco.

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