O Passar Do Tempo

Gosto de visitar o sítio Telheiro. Sempre que posso, dou uma “chegadinha” naquela pequena propriedade, na qual consigo esquecer, mesmo que por alguns instantes, os agitos e as mazelas da vida na cidade.

O sítio chama-se assim – Telheiro – porque por ali vive uma ave de rapina muito peculiar, a qual foi batizada pelos habitantes locais com o referido nome. Dizem que a penugem dessa ave possui coloração semelhante a das telhas antigas, feitas de barro. Algo pendendo para o tom alaranjado. Daí o nome “Telheiro”. Eu, particularmente, nunca vi esse pássaro.

Ao sair da estrada de asfalto, movimentada com caminhões, carros e todos os tipos de veículos automotores barulhentos e poluentes, adentro por uma estreita estrada de chão, cercada por pastagens e arbustos, dos mais variados tipos e tamanhos. À medida que avanço pela estrada batida, vou enchendo meus pulmões com o ar puro e umedecido da zona rural. Espalhados pelos campos, vejo rebanhos de vacas e cavalos, deliciando-se com a relva fresca abundante, alheios aos rasantes voos dos quero-queros, sentinelas fiéis, que defendem os seus ninhos com determinação impecável. Cortando o céu, cruzam bandos de aves migratórias, formando um “V” de “viagem”, de “vitória”, de “vento” que lhes impulsionam a seguirem seus rumos. Ao longo do caminho, vou passando por açudes, passarelas e cercados. De espaço em espaço, há placas fixadas em algumas das porteiras, identificando o acesso para outras propriedades vizinhas.

Fazendo a última curva, no cume de uma pequena elevação, ao virar para a esquerda, avisto a pequena casa, com suas flores e seu cercado branco. Ao seu lado, vejo a mangueira do gado e um pequeno galpão. Seguindo a vista para a direita, observo um renque de arbustos, que serve de proteção para a pequena plantação de hortaliças. Em frente a casa, um grande açude banha aquelas terras.

Dessa vez, desci do meu carro e não entrei na casa, como era o que sempre fazia. Optei por tirar os calçados e caminhar ao redor do grande açude, olhando o saltitar dos peixes, que buscavam alguns insetos que se ofereciam como refeição. Atrás do açude, há um pequeno córrego de águas claras, que percorre toda a extensão da propriedade. Por sobre o córrego, existe uma passarela de madeira, que dá acesso ao outro lado, onde há um pequeno bosque e, atrás dele, uma grande lavoura de milho, mandioca e outras variedades.

O barulho das águas correntes do córrego me fez desligar de tudo. Larguei o par de sapatos ao meu lado e sentei na beirada, pondo os meus pés descalços dentro da água. Deixei-me levar pelos pensamentos. O soprar do vento fresco, juntamente com o barulho das águas e o balançar das árvores, fizeram-me relembrar os tempos em que era criança. Não havia responsabilidades. Nem compromissos. Nem problemas para serem resolvidos. Era tão bom! Os dias eram longos. Ser criança era algo tão fácil! Lembrei-me das brincadeiras com os amigos, dos banhos de rio, das aventuras dentro das matas em busca de frutas, das longas horas de conversa sob a sombra das árvores. Lembrei-me de tanta coisa.

Assim permaneci, por vários minutos, até que senti um toque suave sobre meus ombros. Assustei-me, pois não havia visto ninguém se aproximar. Olhei para trás para ver quem era:

Vi uma linda menininha, com cabelos negros, soltos ao vento. Seus olhos castanhos e redondos me olhavam com curiosidade. Sua pele era branca como a neve. Estava vestindo um vestidinho rodado, vermelho, com detalhes brancos. Em uma de suas mãos carregava uma linda flor do campo. Por trás dos seus lábios havia um sorriso torto que revelava parte dos dentes brancos e pequenos. O vento soprava a seu favor, trazendo até mim seu perfume doce e infantil. Parecia ter uns nove anos de idade.

Virei-me para dirigir-lhe a palavra. Perguntei o seu nome e como havia chegado ali sem que eu tivesse percebido. Ela não pronunciou palavra alguma. Apenas se sentou ao meu lado, descalçou suas sandálias e mergulhou seus pés dentro da água, assim como eu havia feito antes. Somente depois disso é que ela respondeu às minhas perguntas.

Ela também me perguntou muitas coisas. Contou-me muitas coisas. Naquele momento percebi que ser criança realmente era a coisa mais bacana do mundo. Pergunta-se e responde-se com total inocência e sinceridade. Há pureza em cada assunto. Há expectativa em cada palavra dita, em cada gesto realizado.

Talvez para ela aquele momento tenha passado lentamente, mas para mim, os minutos voaram. Cheguei a desejar que aquela ocasião durasse para sempre, todavia o passar do tempo nunca permite que os momentos bons perdurem! Vi que o sol já estava tocando a linha do horizonte. Era chegada a hora de a menininha voltar para casa.

Dei-lhe um abraço apertado e um beijo grande no rosto. Fiquei olhando-a ganhar a estrada e sumir na curva.

Desde aquele dia, passei a repetir o mesmo ritual, cada vez que visito o sítio Telheiro: chego, desço do carro, retiro os calçados, caminho ao redor do açude e me assento na margem do pequeno córrego. Espero pela visita da doce menininha dos cabelos negros e de pele branca. Espero ansioso, por ouvir suas histórias. Aguardo ali, sentado à margem, louco para responder a todas as suas perguntas. Mas ela não vem. Aliás, nunca mais veio.

Ela foi embora, assim como a minha infância querida. Dobrou na curva da estrada de chão e nunca mais voltou. Sumiu pela vida. Seguiu seu destino.

Mesmo assim, ainda que com os cabelos brancos e rugas ao redor dos olhos, a aguardo, esperançoso, sentado à margem do riozinho sereno. Às vezes penso se ela realmente existiu, ou foi apenas uma materialização dos meus devaneios. Não sei ao certo. Quiçá nunca saiba. Sei apenas que ela me faz muita falta.