Maria que não sabia o que fazer da vida
Maria, que não sabia o que fazer da vida, caminhava à beira mar. Literalmente à beira – sentindo as gotas das ondas que estouravam nas pedras por onde ela passava. Ela via o seu futuro na linha daquela imensidão de água que chamamos “oceano”. Maria não chama nada. Maria não pensa em nada. Maria está apenas acontecendo neste momento: como o sol que desce no horizonte, como o seu reflexo torto na água, como os grãos de areia que foram movidos pelos pés dela, como o sangue que corre pelas suas veias... Maria é um fenômeno da natureza.
Embora sua vontade fosse de ser lavada por aquela água salobra, Maria mantinha somente seus pés imersos, às vezes chegava até a altura do joelho... Mas nada acima disso. Tinha medo.
Medo de perder suas forças e nunca mais sair dali. Medo de o mar a engolir – como ela queria. Temos medo, muitas vezes, daquilo que mais queremos e sentimos no nosso dentro. Maria tinha medo, e tinha vontade. Caminhava como quem não espera nada do milésimo que se seguia. Talvez assim, o que tanto queria, viesse sem que ela sentisse medo. Então Maria apenas caminhava...
Seus pés esquisitos pisavam com delicadeza na areia. Seus dedos se mexiam quietos e só desaquietavam quando sentiam aquela sensação única de quando a onda alcança os pés e os afunda como se se tornassem a própria areia – queria Maria que aquela areia a afundasse inteira. Aquela sensação de estar sendo tocada e engolida pela natureza, só Maria sentia, só Maria entendia – preferia ela ser engolida pela natureza que pelos feitos humanos. Seus pequenos pés deixavam sua marca na areia, que logo seria apagada, para sempre. Maria esteve aqui, Maria aconteceu aqui, e ninguém, nunca, jamais, em tempo algum irá saber disso.
Ela mexia seu corpo, ora no ritmo do vento, que sibilava em seu ouvido cânticos virgens; ora no ritmo das ondas, que violentas, estouravam de encontro às pedras. Era como se houvesse só Maria andando por aquela praia. O mar tocava os seus pés como mãos sedentas tocam os corpos que desejam. A água se espalhava pelas suas pernas como gotas sudoríparas que, irrelutáveis, saem dos corpos em gozo... Era um acontecimento maravilhoso. Sem relutar, Maria sorriu.
Apenas ela sabia o valor daquele momento, sem nem sequer pensar nele, sem nem sequer suscitar qualquer pensamento de outrora. Maria, que não sabia o que fazer da vida, sabia sentir. Maria sentia muito e sentia tanto! Sentia tudo! Maria... Pobre Maria. Olhou para tão distante... Estava cansada do peso do mundo, do peso de ser um Homo Sapiens. Sapiens.
Se ela pudesse ao menos filtrar os sentimentos, ignorar sua sensibilidade e fechar seus olhos para o mundo, talvez assim Maria pudesse continuar. Mas essa não seria ela, essa não seria Maria, aquela que carregava os trapos seus e os do mundo. Aquela que tanto sentia! A Homo Sensitivus. Sensitivus.
O sol estava a se por no horizonte e Maria desejou apenas andar por sobre as águas e alcançar o sol, tocar o sol, beijar o sol... E, talvez pela impossibilidade do desejo é que Maria desejava tanto aquele astro inalcançável. Desejou transformar o mar em vinho e multiplicar o sol. Mas sabia ela que isso seria impossível. Sabia ela que vinho é vinho e mar é mar. E que, o nosso astro, é apenas um. E sabia, também, que ela, Maria, só poderia ser ela e ninguém mais. Apenas aceitou a sua condição, aceitou o seu acontecimento, sabendo ao fundo de si que ela não era nada, ela apenas estava: Maria é temporária. Maria está passando.
Olhou para onde o céu encontra o mar, desejando ver do alto aquela linha... Então foi.... (se aventurar)
E diante daquele acontecimento da natureza, Maria se via diante da existência sua e do mundo, Maria se percebia como parte do aqui e do agora, e fez-se presente. Tão e somente presente. Maria era o universo acontecendo, era o tempo, era o vento, e o silêncio. Maria, que não sabia o que fazer da vida, estava transcendendo.