955-A CAIXINHA DE PANDORA -

A CAIXINHA DE PANDORA

E lá estava dona Filomena, a simpática professora aposentada, na cadeira de testemunhas. Aborrecida por ter sido convocada como testemunha no assalto ao Supermercado Kaká.

Havia visto quando o assaltante entrou no supermercado e, revolver em punho, roubou o dinheiro do caixa preferencial, aquele que atende idosos, deficientes, mulheres grávidas, etc. Ela estava sendo atendida e o ladrão levou também a nota de vinte reais que ela colocara à frente da moça atendente.

Foi tudo no relance, o bandido usava barba e óculos escuros, um boné preto, sendo ele mesmo um negro, de forma que era tudo um pretume, impossível de ser identificado como o homem que estava ali sendo julgado pelo crime.

Ela foi a primeira testemunha, chamada pelo Promotor. Dona Filomena o olhou de alto a baixo: “Um garotão gorducho e sebento, como sempre o conheci”, ela pensou.

Para começar a sua linha de argumentação, o Promotor pergunta à Dona Filomena:

— Dona Filomena, a senhora me conhece, sabe quem sou e o que faço?

Antes de responder, a velhinha pensou: “O bobão pensa que eu não o conheço? E me trata como se eu fosse uma criança ou uma débil mental.”

— Claro que eu o conheço, Marcos, Eu o conheci bebê. Só chorava. E francamente, você me decepcionou. Você mente, trai sua mulher, você é hábil em manipular pessoas, gosta de espalhar boatos e adora fofocas. Você acha que é respeitado e influente na cidade, quando na realidade você é apenas um coitado. Nem sabe que a filha está grávida, e pelo que sei, nem ela sabe quem é o pai.

E termina, fulminante:

— Ah, se o conheço. Claro que conheço.

O promotor fica basbaque, parado entre a testemunha, o juiz e os assistentes. Algumas pessoas da assistência começam a dar risinhos Mudo e petrificado, olhando para o juiz e para os jurados, sem saber o que fazer, ele aponta para o advogado de defesa e pergunta à Dona Filomena:

— E o advogado de defesa, a senhora o conhece?

Ela responde imediatamente, muito rápida para seus noventa anos de idade:

— O Robertinho? É claro que eu o conheço!

Fez uma pausa, olhando para o advogado, pensando: “Este é diferente, pilantra e malcriado”.

— Desde criancinha. Eu cuidava dele para a Marina, a mãe dele, pois sempre que o pai saia, a mãe ia para algum outro compromisso. E ele também me decepcionou. É preguiçoso, puritano, alcoólatra e sempre quer dar lição de moral nos outros, sem ser nenhuma para ele. Ele não tem nenhum amigo e ainda conseguiu perder quase todos os quatro processos em que atuou. Além de ser traído pela mulher com o mecânico... com o mecânico!!!

Ouviram-se altas risadas, e até uma gargalhada no fundo da sala do tribunal.

O juiz martela a sua alta bancada.

— SILÊNCIO! SILENCIO! Ou mando evacuar o recinto.

E dirigindo-se à Dona Filomena:

— A senhora também fecha essa matraca!

“Ué, mas o que foi que eu disse de mais? Ele me pediu para falara verdade, só a verdade... agora esta achando ruim.” Pensou Dona Filomena.

O Juiz chamou o promotor e o advogado da defesa para perto dele, se debruça na bancada e fala num sussurro aos dois:

— Se algum de vocês perguntar a esta velha filha da puta se ela me conhece, vai sair desta sala preso... Fui claro?

Tanto o promotor quanto o advogado de defesa, vendo que Dona Filomena era uma verdadeira “Caixa de Pandora”, dispensaram a testemunha.

ANTONIO ROQUE GOBBO

Belo Horizonte, 2 de agosto de 2016

Conto # 955 da Série 1OOO–HISTÓRIAS

Outras Histórias de Dona Filomena:

# 264 – Dona Filó Conversa com Deus

#786 – Dona Filó e a nota de 50 -

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 31/01/2017
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