PRA ONDE O ESCURO VAI?

I

Tons de areia. Vidro quebrado. Tiros lá fora, mas já está acabando. Eu estou do lado de dentro, aliviado, com uma arma na mão, mas eu não que-ro. Será que nós vencemos? Levanto a cabeça e vejo o Ditador. Vivo.

Eu tenho a chance de matá-lo, porém não há mais balas. Então eu corro. Desço as escadas, ele atrás, minhas pernas pesadas, o Ditador começa a atirar, o zunido das balas é enlouquecedor. Chego ao subsolo.

Parece um estacionamento, escuro, lúgubre, as paredes pichadas, ouço um rap ao fundo, e de repente as pessoas desaparecem, a música pára. Escuto algo, pingos caindo em poças antigas, e depois passos. É o Ditador.

Não é possível encarar seu olhar, e enquanto eu me distraio, os ratos rodeiam o Ditador, que está com a arma na mão, apontada para mim, e com um sorriso apocalíptico. Alguns ratos estão mortos, outros, agonizando, sangrando, mas a maioria está olhando para mim. Furiosa.

II

Não consigo correr, agora não só as pernas, também os braços não respondem, o vento cessa, sinto um pingo d’água no meu rosto, não dá para sair da cama. Um calor insuportável. Enfim, abro os olhos, ligo a TV e respiro.

A eletricidade volta, são duas da manhã, te-nho que suportar três horas até o sol. O filme da madrugada é sobre arte, as pessoas, os desenhos saem das telas.

O vento balança a corrente que está pendu-rada na chave, e a corrente bate na porta, trazen-do-me subitamente à realidade. A porta do guarda-roupa também se abre, e as roupas começam a dançar. Então a porta se fecha novamente.

O timer da TV acaba, o escuro engole as pa-redes e a mim, a rodopsina constrói figuras bizar-ras no ar, mas eu não posso acender a luz, o inter-ruptor fluorescente muda de lugar, e eu me perco sob as minhas pálpebras.

III

Os ratos vêm em minha direção, eu perma-neço parado, todas as pessoas voltam ao subsolo, mas não estão interessadas em me ajudar. O Dita-dor está sem seu uniforme de guerra, parece triste. Os ratos não conseguem me alcançar, eles estão sobre uma espécie de esteira. Um deles explode, vira poeira, que me cega por instantes.

Telefone, telefone, telefone.

Algo está errado, o telefone continua tocan-do, mesmo eu já tendo atendido várias vezes. Mas ninguém fala do outro lado.

Levanto da cama, já é dia, ligo a TV, assus-tado, atendo o telefone, é a moça do cartão de crédito.

— Eu não tenho dinheiro!

Minha mão direita está dormente. Na hora do almoço, eu me lembro do sangue dos ratos, mas eles, os ratos, e o Ditador viraram poeira mental ao longo da manhã, assim como acontece com os prazeres, com as doces ilusões e com as dores agudas. Efêmeras sensações.