948-GRANADA HOTEL X HOTEL FRANCÊS - VIAGENS

SAN FRANCISCO, CAL. - 27.07.1981 - SÁBADO

Tanto Enny quanto eu estranhamos muito a estadia no Granada Hotel. As acomodações eram boas, se bem que antigas, talvez o hotel tenha sido construído na década de 1950.

Por se tratar de um Residence Hotel, isto é, hotel residência para idosos (uma espécie de asilo, no Brasil) as refeições eram de comida tipicamente americana e sem tempero, tudo tinha de ser temperado nos pratos individuais, ao gosto do cliente. As três refeições eram convenientes para nós, que assim não tínhamos de lanchar em restaurantes ou lanchonetes.

Por outro lado, nos primeiros dias, causou uma espécie de estranheza, pois éramos os dois únicos não residentes, e portanto, bem menos idosos. Nós éramos como estranhos no ninho, e recebíamos atenção especial dos “colegas”, que se detinham à nossa mesa para tentar um relacionamento, o que era dificultado pelo nosso pouco traquejo em falar no idioma, como também pela difícil dicção de alguns, devido à idade avançada.

Enny não gostou, inicialmente. Ao comentarmos com Eduardo e Marília nossa situação, eles nos convidaram para conhecer o hotel em que estavam hospedados.

Lá fomos, sábado pela manhã (27.07.) Era um hotel de propriedade de um francês e seguia todo o sistema francês: os quartos não tinham banheiros e os clientes usavam o banheiro e sanitário que ficava ao fim do corredor. A comida era tipicamente francesa e para as refeições era exigido vestuário adequado: vestido para as mulheres e terno completo com gravata para os homens.

Não entendo como pudemos nos agradar daquele sistema que satisfazia ao Eduardo e Marília, que já haviam vivido dois anos na França. A ponto de fazer uma reserva (naquela manhã o hotel estava lotado) de um quarto para daí alguns dias: cinqüenta dólares como depósito de garantia da reserva.

Entretanto fomos aos poucos nos adaptando ao sistema e às pessoas do Granada Hotel. No dia seguinte ao da reserva paga, apareceram mais alguns casais de pessoas menos idosas, talvez da nossa faixa etária e até algumas jovens, que também iriam estudar no ELS. Passamos a compreender um pouco mais as perguntas (corriqueiras) dos velhinhos e a respondê-las com bom nível de compreensão.

De tal forma que, n semana seguinte, quando vagou o quarto no hotel francês, Enny não quis se mudar. Perdemos os cinqüenta dólares da reserva mas ficamos muito melhor instalados. E mais tarde tivemos muitas surpresas e alegrias com os velhinhos.

Por exemplo, passamos a frequentar a sala de estar, onde havia um piano e uma bateria, e era interessante ver os idosos mostrarem suas habilidades (com naturalidade) nos instrumentos.

No restaurante, havia mesas de oito lugares e pequenas para duas pessoas, que eu e Enny usávamos, apesar dos convites insistentes dos colegas para se unirem a eles. Certa manhã, durante o almoço, dois homens entraram numa discussão à mesa e de tal forma se desentenderam que um convidou o ouro para resolverem o assunto lá fora, na rua, numa briga corpo a corpo, naturalmente.

A discussão foi amainada pela intervenção dos outros comensais da mesa e terminou assim. Mas nos impressionou (a mim e Enny) ver como, apesar da idade avançada, ainda estavam os velhos dispostos a defenderem suas idéias até na briga, se fosse o caso.

Nos últimos dias, ao darmos notícia de nossa iminente partida, fomos alvos de atenção especiais. Eles vinham até nossa mesa, para convidar que ficássemos morando ali, e outras propostas assim. Uma senhora, nossa vizinha de andar, pois seu apartamento ficava defronte ao nosso, e a porta permanecia sempre encostada, brindou Enny com um estranho porta-copo feito de plástico cortado em tiras de saquinhos de leite. Ela mesma o tinha feito e Enny ficou encantada com o mimo.

Esta experiência entre velhinhos e velhinhas que, no Brasil e na maioria dos países subdesenvolvidos, estariam em asilos, nos revelou não só a maneira prática de resolver o problema da solidão dos idosos, como também a riqueza da população (classe média), pois a diária ou a pensão, não eram baratos. Sem contar que algumas idosas estavam sempre acompanhadas de ajudantes, que as ajudavam nas refeições e naturalmente, durante todo o dia. Uma fatia da sociedade americana desconhecida para nós brasileiros.

Foram dias felizes e diferentes que vivemos no Granada Hotel.

ANTONIO ROQUE GOBBO

Belo Horizonte, 7 de maio de 2016

Conto # 948 da Série 1.OOO Histórias

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 25/01/2017
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