O Dia D
Eric do Vale
"Todos os dias, antes de dormir
Lembro e esqueço como foi o dia
Sempre em frente
Não temos tempo a perder"
(Renato Russo: Tempo Perdido).
A data de hoje, 3 de fevereiro, caiu justamente numa segunda-feira. Eu não acredito! Hoje é segunda-feira, 3 de fevereiro! Nem eu sei por que estou dizendo isso, mas o fato é que hoje é segunda-feira, 3 de fevereiro.
Repetência é um termo inexistente no vocabulário de todo e qualquer aluno, mesmo aqueles que possuem aversão aos estudos. Desde sempre, escutamos os comentários mais absurdos referente aos estudantes que “perdem” o ano letivo, tipo, igualar o perfil de um aluno repetente ao de um ex-presidiário, como fez uma professora.
Desejaria que este dia não chegasse. Deus permita que ela não esteja mais aqui, seria muita humilhação para mim. Olho para os lados e não a vejo, graças a Deus! Sigo o meu caminho até alguém cutucar o meu ombro. Vejo-a sorrindo para mim. Retribuo, dando-lhe um “Olá” mesclado a um sorriso amarelo. Não lhe dou a devida atenção e saio atordoado até me dirigir ao pátio central, onde a cúpula daria as boas-vindas a todos nós.
Sinto novamente alguém me cutucar e deparo com um colega meu. Sentados na arquibancada, começamos a conversar sem darmos importância ao que falavam:
-Sabe o Chico Science? _ Perguntou o meu colega.
-Sei sim, o que é que tem?
-Morreu.
- Não é possível!Do quê?
-Acidente de carro.
-Semana passada, eu o vi cantando no programa da Angélica.
-Ah, então tá explicado. Foi castigo de Deus.
-Que chato, o cara era tão talentoso!
Emendamos com outros assuntos, também direcionado à música. Por um instante, todo aquele meu martírio havia sido suplantando. Após o comitê de boas- vindas, regressei à realidade. Curiosamente, toda a minha carga emocional que refletia em angústia agora havia sido convertida numa espécie de entusiasmo. Difícil de explicar.
Ligo a televisão, na hora do almoço, e o noticiário transmite a morte do Chico Science. Eu tinha me esquecido desse fato e até recusei acreditar naquilo. Volto para a casa, no outro dia, com a cabeça a mil e alguém, do andar térreo, me avisa:
-O Paulo Francis morreu.
Subitamente, desço os degraus: “Não pode ser verdade!”. Olho a televisão e concluo: “Era só o que me faltava.”. Por conta de uma pieguice, entro em atrito com uma professora. O jogo nem começou e eu já estou dando “bola fora”. Toda a noite, eu ficava ligado no noticiário, esperando para ver o Paulo Francis expressar mais um de seus contundentes comentários.
Virar o jogo é a única coisa que me interessa, agora. Muita coisa correu nessas últimas vinte e quatro horas. Encosto a cabeça no travesseiro: “Caramba! Ontem foi o Chico Science e hoje, o Paulo Francis...”, isso foi a ultima coisa que me veio à mente até o sono chegar.