936-VOVÓ BIA INVESTIGA- Contos da Vovó Bia
VOVÓ BIA INVESTIGA
Para bom entendimento desta
narrativa, ler antes o conto #925
”Vovó Bia e o Tapete Mágico.
Desde o vôo do tapete que levou vovó Bia e os netos através das misteriosas dimensões do tempo, do espaço e da imaginação até a terra dos índios peles-vermelhas, no deserto do Colorado, ela pensava profundamente no acontecido.
Sabia que tinha sido, sim, uma realidade. Uma outra realidade impossível de ser comparada com a do seu mundo real: a fazenda, as pessoas, os animais, a natureza que estavam ao seu redor.
Os netos conversaram alguns dias sobre o acontecido e com a naturalidade de que nasceram para viver extraordinárias aventuras. Depois, passaram a outros assuntos e parece, tinham se esquecido da fantástica aventura.
Uma coisa era certa para a sábia senhora: tinham: tinham sido levados tão longe sobre o tapete. Logo, o tapete era dotado de poderes mágicos, como os tapetes voadores das verdadeiras e reais histórias das 1OO1 Noites.
Ora, o tapete havia sido um presente de Alfredinho, seu filho, metido em caçadas e entradas pelas florestas misteriosas de Goiás, Mato Grosso e do Amazonas. Portanto, ele deveria saber de alguma coisa reveladora sobre o mágico tapete.
Era um trabalho artesanal muito bonito, feito de finas tiras de taquara e caniços, feito pelos índios. E — quem sabe? — teria algum poder inserido quando fora feito ou através de algum rito dos índios, desconhecido dos brancos.
Procurou Alfredinho, que estava no galpão de ferramentas da fazenda.
— Alfredinho, figliolo, que está fazendo?
— Mama! Que surpresa! Estou aqui tentando consertar a coronha da minha espingarda.
— Que aconteceu com ela?
— Lascou quando escorregou de meu ombro e bateu nas pedras da trilha do Monte Jalapão. — Respondeu o filho, sem parar de lixar um pedaço de madeira.
— Queria ter perguntar uma coisa.
— O que é, mama?
Aquela esteira trançada pelos índios, que você me deu... como é que você conseguiu?
Alfredo parou de lixar e olhou para a mãe.
— Porque a senhora quer saber?
— Não é por nada, não. É um trabalho muito bonito. Fiz até uma franja para transformar o trançado num tapete.
— Onde é que ele está? — Alfredo parecia meio surpreso ou assustado.
— Estendido no alpendre da casa.
Alfredo parou o trabalho que estava fazendo olhou para a mãe e ficou parado.
— Então — prosseguiu vovó Bia — você não roubou a esteira, non è vero?
Ele pareceu acordar de um transe.
— Não, mama, não! Pelo amor de Deus, que pensamento!
— Então você comprou? Ganhou?
— Sim, mama. Aconteceu o seguinte: Quando eu e o compadre Pedrinho chegamos até a tribo dos Iakãs o chefe da tribo estava doente. Tremia que nem vara verde, com um febrão brabo. O pajé, que cuida dos mistérios, das doenças e da cura dos índios, não sabia o que fazer. Então, eu, com muito cuidado, elogiando ele por sua sabedoria, disse que tinha uma pequena fruta mágica que poderia curar o cacique. Ele me olhou surpreso, desconfiado, não acreditando no que eu estava falando.
Mas eu, sabendo das tretas do pajé e de seu orgulho, disse-lhe: “Mas só funciona se o pajé falar aquelas palavras misteriosas e mágicas que o pajé sabe”.
Ele então abriu um sorriso e me estendeu a mão. Coloquei um comprimido de Melhoral, que levo junto com outros remédios para caso de necessidade. E falei: “Depois de fazer suas rezas manda o cacique engolir esta frutinha, e manda ele ficar na rede. Vai dormir um tempão, vai se encontrar com Tupã no seu sono e vai voltar curado.”
Vovó Bia, que gostava de histórias e de mistério, escutava ansiosa. Perguntou:
— E o pajé fez como você mandou?
— Sim. O cacique dormiu dois dias, pois o remédio teve forte efeito sobre o índio, que nunca tinha tomado nenhum comprimido. Acordou no terceiro dia completamente são, curado.
— E o pajé?
— Ficou muito cheio de si, alegre, pois não disse a ninguém que a frutinha branca tinha sido dada por mim. O cacique mandou fazer uma festa pela cura e o pajé me deu o trançado de taquaras como presente.
— Mas ele não falou nada? — Vovó Bia não se agüentava de curiosidade.
— É, ele falou umas coisas que acho bobagem...
— Que ele disse?
— Falou que era um tapete mágico. Mas num falou qual era a magia, o que o tapete fazia. E disse que a mágica só valia para crianças, meninos ou meninas inocentes, ou para gente velha, pessoas de muita idade, que têm sabedoria.
Uma luz de intuição brilhou na mente de Vovó Bia!
Então é isso! Só com crianças – os meus netinhos – e com gente velha: Eu!
Surpresa com a conclusão e não querendo revelar a ninguém (nem mesmo ao filho) o mistério do tapete mágico, tratou de sair do galpão.
— Va benne, Alfredino.
Abraçou o filho e beijou-o nas faces.
— Tiáu, figliolo!
Enquanto caminhava do galpão de ferramentas até a assobradada casada Fazenda Palmital, continuou pensando:
Mas está claro! É um tapete mágico que voa pelo espaço e através do tempo. Agora tenho de saber até onde pode me levar com meus netinhos.
ANTONIO ROQUE GOBBO
Belo Horizonte, 9 de dezembro de 2015.
Conto # 936 da Série Milistórias.