Filho de Keen
Naquele segundo domingo de agosto, ela buscou a forma mais suave para abordar Bobby, de modo a não machucá-lo, ao contrário disso, deitar azeite sobre eventual ferida que ele tivesse em relação ao pai.
Teve o cuidado de pedir a sua, não sem antes consultar o pai. Jeremias esboçou um sorriso, mas Dulcineia disse simplesmente:
— Tanto faz.
Tanto faz quer dizer muita coisa, ou não diz nada. Na verdade, revela indiferença e desprezo.
— O filho daquela vizinha chata não sai daqui mesmo! Que diferença faz ele vir hoje ou amanhã?
Ela esquecera que era dia dos pais. E sequer fizera um almoço especial para o marido.
De longe, dona Leide o acompanhava com as vistas, até que a portinhola da mureta se abriu, e Bobby entrou.
Ravenala o esperava, estruturando frases como: ‘ Nunca me falaste de teu pai!’ Não esta não... E o levou a conhecer a Barbie que ganhara há bastante tempo. ‘E se Robert perguntasse se ela ainda brincava de boneca? Correria assim mesmo o risco de passar por um vexame, contanto que tocasse o coração Bobbynho, sem machucar.’
— Olha como é linda!
— Não tens também o Keen?
— Não! Não tenho.
— Barbie precisa de um namorado. Vou dar o endereço dela para o Keen.
Mesmo sabendo que o guardaria numa caixa, como fizera com a boneca Emília, e com a Barbie, não poderia perder a oportunidade de simular uma família, senão fingindo brincar de boneca.
— Vais me dar o Keen de presente?
— Foi isso que eu quis dizer, quando falei em dar o endereço da Barbie para ele.
Robert ainda estava absorto em seus pensamentos, quando Ravenala questionou:
— A família ficará incompleta. Falta o filho!
Acostumado a brincar com suas miniaturas de fórmula 1, Robert jamais imaginara em um filho de Barbie e Keen. Ele mesmo era filho de uma família incompleta.
— Quem são os pais de Barbie? E quem são os pais de Keen?— Perguntou Robert, sem querer perguntar. A palavra lhe veio à mente, por falta de outra mais oportuna.
— Bem, no reino das bonecas... Keen e Barbie podem representar Adão e Eva, pais de uma grande nação de bonecos, e os primeiros seres a habitar a face da terra, portanto, como pai, eles têm o próprio Criador, explicou Ravenala.
O semblante de Robert estava sereno, e pareceu momento propício para estabelecer uma conversa sobre família.
— Nunca me falaste de teu pai.
— Não o conheci. Minha mãe diz que ele faleceu quando eu tinha poucos meses. Mas nunca me levou para ver o túmulo dele. Vejo em tudo isso um grande mistério. A mãe confidenciou que há muitos anos, esteve no cemitério , e sentiu uma força que vinha das entranhas da terra, tentando puxá-la para dentro da tumba. Foi a última vez que visitou o finado. Faz tanto tempo! Não saberia mais localizar... Não tem um epitáfio, uma lousa, alguma coisa que identifique o morto? Perguntara Robert à sua mãe. — ‘Talvez nem mais uma cruz!’— respondeu ela. ‘E o nome dele, insistiu’. — ‘Profeta era seu nome. Chame-o de profeta ou de finado. Pai ausente, mesmo estando vivo, é como se estivesse morto.’ — E o filho se calou.
Alguma atitude incompatível com os desejos de dona Leide, seu colega deve ter adotado, por isso ela não ousava, sequer pronunciar o nome dele. Depois dessa conversar sobre uma força estranha que tentava sugar o visitante para as entranhas da terra. Robert passou a imaginar o cemitério como morada de fantasmas.
—Procuro meu pai entre os vivos. Se ele for morto, prefiro não encontrá-lo.
Ravenala acenou, afirmativamente, com a cabeça. Ela também não queria contato com os mortos.
Depois de recobrar as forças. Continuou a conversa.
— Tens esperança de encontrar teu pai, ainda vivo?
— Não me canso de procurá-lo. Minha mãe nunca soube que o procuro. Acho que o esconde de mim, ou me esconde dele, para castigar o velho, ou mesmo apagar a história dela.
— Vi teu nome escrito numa página amarelada , dentro de um baú do meu pai. As primeiras linhas apontavam para um pedido de desculpas.—‘Encontraste algo interessante?’ Disse seu Jeremias ao descobrir-me mexendo em seus guardados. — ‘Sim, este poema!’ Mostrei-lhe sem ter lido uma linha sequer, e como fazem os mágicos, escondi o que lia, debaixo de outros papéis. Ele porém, pareceu não querer mais esconder nada, e com gesto de paternal doação, afagou minha alma: — ‘ O autor deste poema, não assinou sua obra. Portanto, ele é teu, minha filha’. — ‘Obrigado, pai!’ E só depois que ele se afastou, li realmente, o que eu dissera ter lido antes.
Ravenala abriu a primeira gaveta da cômoda e entregou a Robert alguma coisa escrita numa folha de papel.
Naquele segundo domingo de agosto, ela buscou a forma mais suave para abordar Bobby, de modo a não machucá-lo, ao contrário disso, deitar azeite sobre eventual ferida que ele tivesse em relação ao pai.
Teve o cuidado de pedir a sua, não sem antes consultar o pai. Jeremias esboçou um sorriso, mas Dulcineia disse simplesmente:
— Tanto faz.
Tanto faz quer dizer muita coisa, ou não diz nada. Na verdade, revela indiferença e desprezo.
— O filho daquela vizinha chata não sai daqui mesmo! Que diferença faz ele vir hoje ou amanhã?
Ela esquecera que era dia dos pais. E sequer fizera um almoço especial para o marido.
De longe, dona Leide o acompanhava com as vistas, até que a portinhola da mureta se abriu, e Bobby entrou.
Ravenala o esperava, estruturando frases como: ‘ Nunca me falaste de teu pai!’ Não esta não... E o levou a conhecer a Barbie que ganhara há bastante tempo. ‘E se Robert perguntasse se ela ainda brincava de boneca? Correria assim mesmo o risco de passar por um vexame, contanto que tocasse o coração Bobbynho, sem machucar.’
— Olha como é linda!
— Não tens também o Keen?
— Não! Não tenho.
— Barbie precisa de um namorado. Vou dar o endereço dela para o Keen.
Mesmo sabendo que o guardaria numa caixa, como fizera com a boneca Emília, e com a Barbie, não poderia perder a oportunidade de simular uma família, senão fingindo brincar de boneca.
— Vais me dar o Keen de presente?
— Foi isso que eu quis dizer, quando falei em dar o endereço da Barbie para ele.
Robert ainda estava absorto em seus pensamentos, quando Ravenala questionou:
— A família ficará incompleta. Falta o filho!
Acostumado a brincar com suas miniaturas de fórmula 1, Robert jamais imaginara em um filho de Barbie e Keen. Ele mesmo era filho de uma família incompleta.
— Quem são os pais de Barbie? E quem são os pais de Keen?— Perguntou Robert, sem querer perguntar. A palavra lhe veio à mente, por falta de outra mais oportuna.
— Bem, no reino das bonecas... Keen e Barbie podem representar Adão e Eva, pais de uma grande nação de bonecos, e os primeiros seres a habitar a face da terra, portanto, como pai, eles têm o próprio Criador, explicou Ravenala.
O semblante de Robert estava sereno, e pareceu momento propício para estabelecer uma conversa sobre família.
— Nunca me falaste de teu pai.
— Não o conheci. Minha mãe diz que ele faleceu quando eu tinha poucos meses. Mas nunca me levou para ver o túmulo dele. Vejo em tudo isso um grande mistério. A mãe confidenciou que há muitos anos, esteve no cemitério , e sentiu uma força que vinha das entranhas da terra, tentando puxá-la para dentro da tumba. Foi a última vez que visitou o finado. Faz tanto tempo! Não saberia mais localizar... Não tem um epitáfio, uma lousa, alguma coisa que identifique o morto? Perguntara Robert à sua mãe. — ‘Talvez nem mais uma cruz!’— respondeu ela. ‘E o nome dele, insistiu’. — ‘Profeta era seu nome. Chame-o de profeta ou de finado. Pai ausente, mesmo estando vivo, é como se estivesse morto.’ — E o filho se calou.
Alguma atitude incompatível com os desejos de dona Leide, seu colega deve ter adotado, por isso ela não ousava, sequer pronunciar o nome dele. Depois dessa conversar sobre uma força estranha que tentava sugar o visitante para as entranhas da terra. Robert passou a imaginar o cemitério como morada de fantasmas.
—Procuro meu pai entre os vivos. Se ele for morto, prefiro não encontrá-lo.
Ravenala acenou, afirmativamente, com a cabeça. Ela também não queria contato com os mortos.
Depois de recobrar as forças. Continuou a conversa.
— Tens esperança de encontrar teu pai, ainda vivo?
— Não me canso de procurá-lo. Minha mãe nunca soube que o procuro. Acho que o esconde de mim, ou me esconde dele, para castigar o velho, ou mesmo apagar a história dela.
— Vi teu nome escrito numa página amarelada , dentro de um baú do meu pai. As primeiras linhas apontavam para um pedido de desculpas.—‘Encontraste algo interessante?’ Disse seu Jeremias ao descobrir-me mexendo em seus guardados. — ‘Sim, este poema!’ Mostrei-lhe sem ter lido uma linha sequer, e como fazem os mágicos, escondi o que lia, debaixo de outros papéis. Ele porém, pareceu não querer mais esconder nada, e com gesto de paternal doação, afagou minha alma: — ‘ O autor deste poema, não assinou sua obra. Portanto, ele é teu, minha filha’. — ‘Obrigado, pai!’ E só depois que ele se afastou, li realmente, o que eu dissera ter lido antes.
Ravenala abriu a primeira gaveta da cômoda e entregou a Robert alguma coisa escrita numa folha de papel.
A
Pare
de do
mundo
é azulada,
até onde a vista alcança O poeta vê além das
nuvens brancas uma aquarela: nuvens amarelas... pássaro
solitário refaz o ensaio de uma valsa. Tudo passa velozmente
no imaginário... Se Fernão olha
a gaivota, não vê
o sol de relembranças
que se põe
atrás
de
su
as
asas
Pare
de do
mundo
é azulada,
até onde a vista alcança O poeta vê além das
nuvens brancas uma aquarela: nuvens amarelas... pássaro
solitário refaz o ensaio de uma valsa. Tudo passa velozmente
no imaginário... Se Fernão olha
a gaivota, não vê
o sol de relembranças
que se põe
atrás
de
su
as
asas
Robert pareceu não se interessar muito pelo que lia e devolveu o papel sem outras palavras além de: ‘É um poema.’
— Não leste depois o que estava escrito na folha amarelada que escondeste? — quis saber ele.
— Voltei ao pequeno quarto dos fundos, que a minha mãe chama ‘O lixo de Jê’. Lá encontrei também o boi de Drummond, pontilhando as horas nos cascos. Não entendi por que o pai falava em Percalina-verde-drummond com apenas 12 volumes, quando o poeta de ferro, afirma que eram 24 volumes encadernados em percalina verde. De qualquer modo, “Verde-drummond” era uma homenagem dirigida não somente a Carlos, mas a todos os poetas que esperam tanto a ressurreição dos mortos, quanto a consagração da poesia.
— Percalina-verde-drummond, não me diz respeito. Não estava mais lá o outro escrito?
— Lamento. Não estava.
— Lamenta? Eu choro.
***
Adalberto Lima - fragmento de Estrada sem fim...
— Não leste depois o que estava escrito na folha amarelada que escondeste? — quis saber ele.
— Voltei ao pequeno quarto dos fundos, que a minha mãe chama ‘O lixo de Jê’. Lá encontrei também o boi de Drummond, pontilhando as horas nos cascos. Não entendi por que o pai falava em Percalina-verde-drummond com apenas 12 volumes, quando o poeta de ferro, afirma que eram 24 volumes encadernados em percalina verde. De qualquer modo, “Verde-drummond” era uma homenagem dirigida não somente a Carlos, mas a todos os poetas que esperam tanto a ressurreição dos mortos, quanto a consagração da poesia.
— Percalina-verde-drummond, não me diz respeito. Não estava mais lá o outro escrito?
— Lamento. Não estava.
— Lamenta? Eu choro.
***
Adalberto Lima - fragmento de Estrada sem fim...