DIA DE FESTA!
Mesmo com o sol ainda alto já era grande o movimento de pessoas na avenida principal da cidade, na orla do rio, por onde chegavam em lanchas e barcos de lotação, nas ruas estreitas das proximidades, carros e motos disputavam o espaço com bicicletas e os pedestres. Aos poucos a rua ia ficando tomada, não era um domingo comum, o clima era de muita festa, gente de vários lugares e classes sociais, com um só objetivo: Ganhar o bingo e levar um carrão zero km. Para casa.
Os vendedores ambulantes aproveitavam a grande oportunidade, vendiam bebidas, lanches, pipocas e até balões para as crianças acompanhadas dos pais, afinal era um grande acontecimento, Nada podia faltar. A maioria dos moradores da cidade estava presente, reunida na orla naquele naquela tarde, o calor forte não importava, protegiam-se com chapéus, pedaços de papelão e tudo o que pudesse fazer sombra, valia de tudo para garantir um lugar perto do palanque improvisado num caminhão de som, para que pudessem ver e ouvir melhor, ninguém queria “passar batido”.
Ao meio da tarde chegou o prêmio tão cobiçado, recebido por aplausos e assobios. Uma Pick-up do ano, de cor branca, enfeitada por balões de várias cores, um grande laço amarelo, fazia o acabamento da ‘embalagem de presente” trazida num caminhão, que estacionou estrategicamente num ponto elevado, para que todos pudessem ver o grande prêmio, objeto de desejo das milhares de pessoas, Uma queima de fogos ensurdeceu por minutos os presentes.
O som anunciava as últimas cartelas para quem ainda na havia comprado. Os que tinham ainda alguns “cobres” nos bolsos, não hesitavam em comprar mais uma, quem sabe não seria a da sorte, afinal, “quem não arrisca não petisca” falou a mulher para o marido ao lado, que já havia comprado três. Assim continuava a animação, o sol já dera uma trégua, uma brisa leve vinda do lado do rio, amenizava o calor.
O carro de som, pela décima vez anunciava que iria iniciar o bingo. Já caía a tarde, alguns mais exaltados gritavam:
_ Vai ou não vai começar?
_ Já está na hora!
Após vários protestos, tem início, para alívio dos mais incautos.
_ Nº 34 ... Trinta e quatro! Repetiu o locutor, é a primeira pedra.
_ 26... Dois, meia, é a segunda pedra, vamos chamar mais uma, número...
_É de buraco! 40... Quatro, zero. A próxima é: 17, o número do macaco.
_Só vale cartela cheia!
Grita o moço do som, enquanto outro gira o globo.
_A próxima é... Começou o jogo! Nº 1, Um! Mais uma, 22... Dois patinhos na lagoa. Agora a pedra é de, Nº 33, a idade de?
faz uma pausa
_Isso mesmo, a idade de Cristo!
Segue o jogo! “digo o Bingo” após vários números de camisas desse e daquele craque de futebol, alguns de bichos, outros “de buracos”, algumas pessoas já começavam a pedir:
_ A boa! Manda a boa!
_ Os participantes, entretidos na disputa não perceberam que o tempo havia mudado, só se deram conta disso quando a brisa soprou mais fria, e pingos d’água começaram a cair, trovões rasgaram o céu, um vento mais forte fazia redemoinhos no meio da rua.
_Calma pessoal, vai passar, é só uma nuvem! Fala mais alto o locutor na tentativa de continuar o trabalho.
_ A próxima pedra é, Nº 69... Meia nove, mais uma, 43, a próxima, 74, outra, 21.
Já não repetia os números, tentava apressar o bingo. Continuava a gritar, Nº 19, a próxima é...
São Pedro não colaborava, trovões cada vez mais assustadores, traziam juntos relâmpagos, que clareavam o horizonte, a chuva insistia, o vento varria os pés das pessoas, levantando papéis e muita poeira. Cartelas do bingo voavam, pelos ares para o desespero de seus donos, outras desmanchavam-se nas mãos dos apostadores, que pegos de surpresa tentavam a todo custo protegê-las nos bolsos ou onde pudessem guardá-las à seco, missão mais difícil para as mulheres com poucas e já encharcadas roupas.
_ Alô! som! um... Dois! Som, testando!
Tentava em vão o locutor, o equipamento já não funcionava. Pessoas corriam para baixo do palanque, enroscando-se nos fios das caixas e amplificadores derrubando-os, tornado mais difícil o trabalho. O globo caíra espalhando as pedras restantes junto às demais já chamadas. Os organizadores procuravam contornar a situação que mais e mais se complicava. As pessoas mais próximas exigiam o dinheiro de volta. Um homem, protegendo a cartela com um boné, gritava transtornado:
_ Só faltavam três pedras para eu bater!
_ Para mim Só falta uma! Gritava outro, era a boa! Não pode acabar.
_O Carro é meu!
Aparece um senhor alto por trás do quiosque de lanche.
_Eu tinha batido com a pedra dezenove, a última chamada, tenho direito, não vou deixar barato!
Alguns já haviam desistido após perderem as cartelas, outros tentavam enxugar o que restara, A confusão estava formada, aos empurrões as pessoas acotovelavam-se para perto do carro, ameaçando fazer um quebra-quebra.
Com grande esforço, protegidos pela polícia, debaixo de muitas latinhas de cerveja e refrigerantes, conseguiram retirar o caminhão do local, sob o protesto da multidão, com gritos e muitos palavrões.
A comissão organizadora tentavam convencer as pessoas que haveria novo sorteio, em outra data a ser marcada. O que não agradava a todos, que infelizmente teriam que esperar pelo próximo bingo, adiando o sonho do carro zero.